terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Cicatrizes de Memórias

Esta mania de me perder pelo calçadão da praia, ou de repousar no banco de pedra esculpida, deixa-me frente a frente com o vaivém das marés e as lembranças que elas convocam. Memórias boas, indeléveis, cravadas no meu ser como tatuagens da alma.

Não são sombras a me assombrar, mas constatações. Fragmentos matizados por cores suaves, às vezes enigmáticas, que, no seu surrealismo, me abraçam. São pinceladas de realidade que, mesmo pertencendo ao passado, sustentam o presente — uma bolha de aguarelas onde me refugio.

Será loucura, talvez. Mas, entre os abismos que às vezes me rondam, há algo de sagrado nesse desvario. Uma sanidade peculiar que encontra na memória um porto seguro.

As cicatrizes permanecem, não como feridas, mas como mapas que me guiam. Há um beijo trocado junto ao rio, perdido na noite pardacenta e gélida. Um casaco emprestado que, naquela madrugada, se tornou abrigo para o corpo e a alma.

Foram gestos simples, porém eternos. Amor e amizade teceram um laço que o tempo não desfez. Cicatrizes, sim, mas daquelas que enobrecem. Elas vivem comigo, ancoradas entre o ontem e o amanhã.

© Piedade Araújo Sol 2025-01-27
Imagem :Kindra Nikole

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terça-feira, 21 de janeiro de 2025

O Poder das Palavras

Sempre idolatrei as palavras. Com elas, construo pontes, dissolvo neblinas, planto flores e nutro a inspiração, sempre ávida por novos desafios.

As palavras são o meu ancoradouro; nelas encontro abrigo e, com elas, construo os versos que me definem.

Mas, se não forem bem escolhidas, dóceis ou carregadas de propósito, podem ferir, trazer sofrimento e mágoa profunda.

Podem, ainda, ser apenas reflexos de estados de alma, escritas em momentos de inquietação.

Quantas vezes as palavras são usadas como armas de arremesso que, uma vez lançadas, não podem ser apagadas.

E é assim que, tantas vezes, nos encontramos diante de palavras que matam um pouco de nós:aquelas que destilam ódio, maldade ou preconceito, muitas vezes desprovidas de sentimentos ou de coerência.

E, nesse caos, as neblinas tomam conta dos nossos corações.

©Piedade Araújo Sol 2025-01-20
Imagem : David Talley

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terça-feira, 14 de janeiro de 2025

A Poesia é um Estado de Alma

A poesia é uma toalha na mesa,
é um cobertor quente, é um sofá confortável.
A poesia é o encontro com alguém que nos aceita e completa.
Luís Rodrigues
https://brancasnuvensnegras.blogspot.com/


A poesia chega como um sopro a ciciar,
sem estações nem horas.
Surge no vislumbre, às vezes,
das nuvens abraçadas no céu,
outras vezes, a observar
papoilas dançando ao sabor do vento
em campos imensos, a perder de vista.

O olhar abarca, e o pensamento voa.
A poesia nasce num poema reluzente
ou se tece em camadas,
imbuídas de metáforas.
Outras vezes, vem em puro estado vegan,
mesclando-se à melodia.

Desenham-se bailarinas
em tons suaves de pastel,
vestidas de tule ou organza.
A poesia nasce, renasce,
em dia não, em dia sim.

Para quem a ama,
ela é a companhia que auxilia,
vive com o poeta,
dia e noite,
noite e dia.

Isso, em lume brando, é a poesia.

Autor ©Piedade Araújo Sol 2025-01-12
Imagem :Marina Skenko

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terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Hoje

Hoje quero ser apenas areia,
caminhar sem regras, sem destino.
Quero dançar com as algas,
ouvir o som do vento,
inspirar o aroma da maresia.

E não me ensinem—eu já sei:
a vida não é recta,
é feita de curvas,
contracurvas,
e de gáudios entrelaçados a pesares.

Por ora, esqueço as mágoas,
as dores que carrego,
a ingratidão, a maldade.
Em catarse, me redimo,
anónima, no grão de areia que sou

©Piedade Araújo Sol 2025-01-07
Imagem : Natalie Karpushenko

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quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Foi em Janeiro

É Janeiro de um ano que agora começou.

Hoje, como  sempre no primeiro dia do ano, sinto que o tempo me naufraga. Parece que me morres outra vez, e outra, e mais uma vez, sempre que o vento traz o perfume do mar.

É como se os barcos estivessem à deriva, apenas porque tu já  não atravessas o cais. Eles esperam, como eu espero, mas sei que não virás, nunca mais.

Gostava de ouvir novamente o eco da tua gargalhada enchendo a casa, invadindo e dançando com as ondas do mar aqui tão perto de mim.

 Mas agora há um silêncio tão profundo quanto as águas que já não navegas.

A tua voz, esse porto seguro, deixou de se ouvir há tantos, tantos anos que já nem os contabilizo. É um fato concluído, mas ainda estranho, ainda dói, a tua ausência.

As memórias desbotam com o tempo, mas a saudade brilha como uma estrela solitária reflectida no oceano, que volta todos os anos neste dia de todos os anos que se sobrepuseram, depois da tua partida não esperada. Ela pesa, não como um fardo, mas como um casco vazio que se recusa a afundar.

Sabes, pai , eu sei que é apenas o garrote da  saudade que se faz sentir, e que, mesmo agora, tantos anos depois, o teu abraço ainda me faz falta  na mesma simetria como faz falta o farol para o marinheiro perdido.

Até sempre Pai!

©Piedade Araújo Sol 2025-01-01
Imagem :David Freske

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