terça-feira, 31 de janeiro de 2012

mergulho inteira


mergulho inteira
no dia em que dispo
os silêncios de mim
amparo-me sem pressas
nos olhares dissemelhantes
que se esbatem
na pele do sobressalto
cruéis
doces
vagabundos de cores
sequiosos de luz
utopias a bailar apressadas
na minha pele
ácidas
deslumbrantes
como pingos de chuva funda
.
mergulho inteira
cética
ingénua
nos dias prometidos
que faço nascer para mim.
.
© Piedade Araújo Sol 2012-01-31
Foto : rojski

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Às vezes


Às vezes passeávamos pelas ruelas da cidade e pela orla da praia, tu dizias que gostavas de ser feliz e eu apenas sabia do teu nome. Um nome de rei. Muitas vezes eu não sabia se era só nome que era de rei, ou se eras tu que eras rei. Acho que eras. Ainda deves continuar a ser. Tinhas um jeito próprio de andar - inigualável - e quando sorrias os teus olhos  resplandeciam e confundiam-se com  a cor do mar.Já não passeamos – juntos -  pela orla da praia, passaram  muitos luares, muitas marés. Mas, eu sei que ainda tens nome de rei e que eu ainda abraço as tardes cheias de solidão quando passeio pela orla da praia, e que ainda não sei escrever partida, porque a partida só existe para quem a quer e o meu coração ainda subsiste e extermina o grito que eu não quero desprender.


© Piedade Araújo Sol  2012-01-17
Foto : marcinmgp

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

escrevo palavras


Escrevo palavras que nem vais compreender.  Lanço-as para o papel como se fossem parte de mim e sei que ninguém as vai ler.  São palavras apenas palavras e só isso.  Por vezes elas são bailarinas e ganham vida no papel.  Mas, de que me servem as palavras, se já não me trazem consolo.  Tempos houve em que eu desenhava e saíam silhuetas de meninas com cabelos de oiro a navegar em barcos de papel.  Hoje o meu coração é um barco de papel num mar azul pálido com um céu cheio de nuvens.E quando escurecer as estrelas ganharão cores para que no aconchego de uma página cheia de letras eu consiga deixar palavras.

palavras
com vozes silenciosas
a baterem-me no peito
a dizer o teu nome
por entre as sílabas
ao ritmo do meu coração
palavras
a beijarem-me
como quem colhe
frutos maduros
enquanto me cantam
o amor numa canção…

© Piedade Araújo Sol  2012-01-09
Foto:  paulinquua

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Os barcos do silêncio

À memória do meu pai


percorro os barcos do silêncio.
em Janeiro te perdi. em lugares de pedra te deixei. eu sei que não regressas mais.
a vila ainda tem o cais que guarda estórias de água, de segredos espalhados no solarengo decorrer dos dias.
as mulheres cujos rostos denunciavam mágoas escondidas já não usam xales de cores pretas.
passou – já - tanto tempo. que é apenas uma parte que ficou guardado nas memórias de mim.
relembro a força da dor. o tempo comprime-se e foi ontem que passaste a proteger-me incorpóreo.
foi tão forte essa dor. ficou aprisionada e ainda hoje a sinto igual. e assim sempre será no dia um do mês de Janeiro de todos os anos que hão de vir.
é certo que o teu corpo foi embora. mas o teu sorriso e a tua gargalhada ficaram a ecoar no mar. e em mim.
as lágrimas insistem em cair neste tempo certo ou incerto de mim.
a casa na praia já não existe e não faz parte da rua dos barcos o teu nome.
só resta esta saudade que não sara – que não deixo - nos meus barcos do silêncio.

© Piedade Araújo Sol 2012-01-02
foto:maszu