terça-feira, 29 de novembro de 2011

na insondável incerteza do presente

na insondável incerteza do presente
trago o calor no olhar
e na razão da minha existência
em que um dia tive a
certeza do
voo incerto das gaivotas nas minhas
quimeras tardias.

tudo se esmorece e desmorona 
neste entrelaçar de tempo sem tempo
no findar da claridade 
em que o cinzento dos céus
me rouba o azul que o
dia me trouxe prazenteiro e fiel.

deixo um nome escrito
sobre a areia da praia
mas sei que as ondas
 se irão encarregar de o apagar
quando a maré em mim subir
 tudo voltará
aos seus primórdios e às suas origens.

e será a noite 
em que o seu manto cobrirá a cidade
 e em cada estrela teremos um desejo 
que se transformará num amanhã
para que os sonhos renasçam
na certeza do voo incerto das gaivotas.
.
© Piedade Araújo Sol
Foto: kiki123

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Olhar quente no mar

Estou com o olhar quente no mar, no cais sisudo da praia. Está frio e o vento brinca, ignorando-me. E faz com que a manhã tombe cinzenta sobre a juventude desabrigada do dia.

Hoje, este silêncio que queria só meu, é apenas quebrado pela batida das ondas na areia fina numa verdadeira pulsação.

Penso enquanto escrevo, mas sei que o real é esta minha mania de escrever a liberdade, absoluta e inquestionável, do vento que brinca.

Escrevo o dia que queria quieto e que o vento não deixa. A certeza do vento é uma incógnita e o dia está triste. Ignorando-me.

Moro na verdade que trago. A minha verdade. Que guardo enquanto o dia se esquece de mim. Que escrevo, enquanto o vento brinca. No cais sisudo. Ignorando-me quente de olhar.
.© Piedade Araújo Sol 2011-11-22
Foto. OczywistaPanda

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Morre-se de solidão no meu país

A solidão prolongada
Em forma de sombras
Neutras
Esbatidas
Infiltrada nas paredes
das casas fechadas – com gente dentro
e a noite a fechar o dia mais uma vez
duas vezes – muitas vezes.
.
e morre-se devagar no meu país
.
as árvores no outono estão nuas – esquálidas
no Inverno o frio magoa os ossos e a alma
mas talvez os melros cantem antes da próxima primavera
se o verão chegar todos os dias
no sol de uma tigela de sopa fraterna
.
 morre-se devagar no meu país
.
e depressa tudo se esquece.
.
Nota: faltam dados estatísticos para os  idosos que morrem sós em casa
                    © Piedade Araújo Sol 2011-11-14
                    Foto : Ego.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

a minha alma


a minha alma é um espelho cheio de estrelas
que se reproduzem à medida da minha vontade
ela era o meu segredo.
.
mas muita coisa se passou desde então
muitas vontades eu calcorreei
muitos fogos sofri
e com eles as minhas estrelas
se consumiram.
.
hoje
a minha alma é um amontoado de estrelas calcinadas
a quem roubaram a luz
é um sem número de espelhos vazios, simples, caídos ao acaso
nos trilhos dos ventos percorridos por entre os fantasmas
guardados nas galeras da minha escrava timidez.
.
desfilam pela noite agarradas a pergaminhos obsoletos
e cheirando a mofo
alimentam-se de utopias
e seguem o breu das noites de chuva.
.
sabes… eu menti
a minha alma é apenas a minha alma
.
©Piedade Araújo Sol  2011-11-08
Foto:Kwiat7

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Não sei do teu rosto de sol


           Não sei a geografia das pequenas coisas que para mim são grãos de areia
                 E talvez sejam outras coisas que não apenas grãos, ainda que de areia

Não sei porque tenho este cigarro aceso entre os meus dedos
Se não me lembro de fumar, se quem fumava eras tu
E eu contava os cigarros que fumavas no interstício dos momentos
Em que ríamos na orla do rio que eu confundia sempre com o mar
Este cigarro queima-me os dedos e sabe-me mal, tem um cheiro forte
Que me dá uma sensação de mal-estar e náusea
Apago-o e isso talvez me dê uma sensação de liberdade e paz.
.
Lembro um dia em que eu te disse que o teu rosto lembrava o sol
E hoje vejo que nada me devolverá o sol que criei contigo
E se parti de ti foi para não saber o fim, que eu não gosto de
Saber o fim dos livros, porque ficar era saber o fim e
Eu não quero saber se existe um fim no fim de cada livro que ainda não li
Apenas gosto de desenhar o teu rosto que depois posso apagar
Sem que com esse gesto me possa magoar.
.
Hoje já não sei do teu rosto de sol
Nem sequer do lugar onde habitas, nem com quem
E se sinto este frio que me abraça
Sei que são presságios que me seguem amotinados e rebeldes
Nestes trilhos por onde me sinto e movo, e se quando vou para
A orla do rio, e não quero saber se é rio ou se é mar
É porque sei que algures e em outro lugar alguém deve
Estar a olhar para ti, mas mesmo que te olhe

Nunca terá como eu tive, o teu olhar num rosto de sol.

© Piedade Araújo Sol
Foto :absentia