terça-feira, 30 de agosto de 2011

Tela inacabada



Coloriste um desenho, com linhas imperfeitas, enigmáticas, escorrendo sonhos em faúlhas de cores e simbioses, destinos obscuros .

(disseste-me)

-És tu!

Entre as linhas delineadas o meu olhar apenas vislumbra confusão de tintas, estilhaçadas na textura da tela pintada, labirintos de vazios.

 (disse-te)

-Não sou eu!

E a tela inacabada (sem rosto e sem olhos) repousa no cavalete. Quando a janela fica aberta e o luar incide, goteja a sua luz através do lençol que a mantém ocultada.

Sonhei que um dia regressas  para a acabar ou apenas e tão-somente para a levares.

© Piedade Araujo Sol Agosto 2011
Tela : Betty Branco Martins

terça-feira, 23 de agosto de 2011

devaneio


na ambição que me consome,
procuro por ti na imagem
(tatuada no meu pensamento)
nos odores que sem querer
ficaram entranhados,
no cerne dos devaneios clandestinos.

foste vulcão, incandescente nas brumas
que das crateras na ilha se soltaram
feito lava escorrendo para a terra
queimando o viço do meu corpo
mirrado de saudade.

olho-me no espelho das águas
que nas lagoas repousam
e vejo-me nua , alienada e louca
a correr pela noite
qual godiva, mas sem equídeo
nem príncipe. 



© Piedade Araujo Sol
2011-08-23

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Apenas o meu desenho


Desenho com traços perfeitos o teu cabelo em cor azeviche. O teu cabelo ganha vida no meu desenho. O meu desenho é apenas um desenho, só meu. Tem sol o meu desenho. Tem cores indecifráveis, mas são cores (as minhas).

O meu desenho tem o mar e os teus olhos são o mar do meu desenho.

Mas não tem vida, são apenas memórias em forma de desenho e saudade.

Mas tem sol…e eu ainda não sei bem se é sol ou se é fogo.

© Piedade Araujo Sol
2011-08-15

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Cenário para um monólogo

Para a G.

O chão de madeira tosca estendida em tábuas uniformes e gastas pelo uso.

A janela que sem cortinas espreita um dia compacto e cheio de neblina, onde as gotas de chuva, escorrem cadenciadas sobre as pedras da varanda.

No parapeito existe um aquário que paradoxalmente não tem peixes, mas, apenas e só petalas de camélias.

Ao fundo, sobre uma mesa desarranjada um vaso de terracota com flores secas, e ruídos inaudíveis sobre o rescaldo das cenas ensaiadas.

A luz ténue de um candeeiro a petróleo. Um livro aberto, mas curiosamente com as páginas em branco, que convidam a escrever.

Um dia dum mês sem tempo definido, que lembra uma estação que não é primavera, nem verão, e, ouvem-se ao longe badaladas no relógio da velha ermida.

Abre-se o pano.

Ninguém se encontra na plateia.

O auto para um sonho de um monólogo vai começar.
.
© Piedade Araujo Sol
Agosto 2011
Foto : konrad Zaglobe

terça-feira, 2 de agosto de 2011

amanhã serei apenas uma estátua

 Desfaleci  meus olhar nas colinas, prenhes de noite, e sombras cativas semearam resignação, em teu último olhar.

Sei  que fugi atordoada pela noite e pelo nevoeiro que se desmoronou em mim, e regressei-me ao aquário, onde os peixes vivem, submissos e aparentemente serenos.  
E o mundo é tão cheio de teorias e eu apenas vislumbro pinceladas de certezas,  que se querem brandas e não desinquietas, e eu não as entendo nem as quero entender .

Falaste-me  das cores dos olhares, e deste-me a beber o licor dos frutos doces dos pomares, mas, não me anunciaste a partida dos pássaros para os lugares solarengos.

E foste com os pássaros .

Não sei (ainda) das utopias que nascem nas flores escassas, defronte da planície.

E resta em mim,  apenas fuga,  apenas saudade

É definitivo. É tudo a fundo perdido. Tudo com um fim, por vezes não anunciado.

Correm brisas frescas, anunciando a alvorada, amanhã por entre o nevoeiro, a praça terá mais uma  estátua.

© Piedade Araújo Sol 2011-08-02
Foto: akinomagruj