As flores

recebi as flores que mandaste
o cartão vinha em branco
mas sei que eram tuas
pois tinham ainda
o teu perfume...

Regalo

recebe esta flor
como se de um beijo
se tratasse
e guarda-a até que
nada reste
do seu olfacto…

Ventos cruzados

Os ventos cruzados envoltos em fúria
Mudaram a rota da tua nave feita de cristal
Com o contacto forçado
O cristal partiu-se em mil estilhaços
e penetraram no nevoeiro que nos envolvia

Havia flores queimadas espalhadas pelo chão
E os poemas retidos no tempo
Eram um feixe de luz esquizofrénico
Que nos magoava os olhos abertos de espanto

E havia vidraças fechadas que escondiam rostos crispados
remoendo lamúrias com as bocas cerradas
e tantas, tantas estrelas multicores
a nos protegerem a cabeça coalhada de sonhos....


31.01.1983

Cheguei tarde

Cheguei tarde! Sempre assim foi
Alguém sempre chegou antes de mim…

Tenho os meus sentires desarrumados
soltos por aí sem pontas nem fios…

Aqui só posso lembrar que não tenho nada
e que nem posso perder-me num olhar…

Cheguei tarde à margem do rio
e lembro teus lábios distantes de mim…

Dependurei meus sentires num acaso
e num momento, cheguei tarde…

Silêncios

Hoje voltei ao silêncio
dos tempos mortos
As palavras inóspitas
gastas
Não me dizem nada
Não as quero ouvir!

Hoje voltei ao silêncio
Abraço a apatia
E deixo-me envolver
na magia deste silencio
que é a minha torrente
de palavras não ditas

Amanhã levo-te comigo

Amanhã levo-te comigo
Não sei para onde
talvez não seja amanhã
Talvez não sejas tu
que levarei na minha aventura
Mas
acredita que sim
Engana-te
eu farei o mesmo
Deixa-me imaginar
um amanhã
Que te levarei comigo
E
Vamos
Adormecer sorrindo....

Foto do sorriso

Regulo calmamente a objectiva
E foco aquilo que devia
Ser um sorrir
Mas, não sei se é sorriso
Ou se é melancolia
A foto desfocada traduz
Tristeza
O sorriso não conseguiu
Se sobrepôr
E tudo ficou sem sentido…

Escrevo

Teus olhos são pedaços da bruma
dum dia cinzento mesclado de verdes
Tens na boca
o sabor do mel
E as tuas mãos são suaves
Teu corpo é uma metamorfose
de homem menino
Tu não sabes como és belo!

Queria dizer que te amo
E sei que é inútil
Tu não sabes o que é o amor!

Eu sei que te ririas
De mim sarcasticamente
e eu sofreria a teu lado
a ouvir o teu riso mordaz
no peso da madrugada
E nada te faria crer
que eu sentia
uma ternura incontrolável…

Queria dizer que te amo
E sei que é inútil
Tu não entendes o amor!

Receosamente
beijo teus lábios com sabor a mel
Entrelaço nas minhas as tuas mãos
macias e quentes
Aconchego-me em ti
E perco-me em teu corpo
de homem menino

Não digo!
mas escrevo
que te amo….