terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Mapas


Foto : Rachel Baran.

Na memória que detenho
o teu corpo é um mapa enigmático
em que ouso tocar com meus dedos
e demorar-me em certos espaços
desenvolver o beijo e afastar neblinas
deambular as mãos em toques
que lembram o cetim
por vezes seda
aquietando a sede que sinto
como se no delírio de uma memória
todas as nascentes
fossem rios insondados correndo em direcção a uma foz
sem ser o mar.

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Autor© Piedade Araújo Sol 2021-01-25

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terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Perdão

 

Peço perdão,
mas não tenho estrelas
para oferecer,
nem sequer luz, porque o dia renasce,
e é ele que nos ilumina o ser e o querer.


Tenho as minhas mãos ,
que vazias podem fazer magia,
derreterem-se em fantasia,
e com elas escrever um poema.


Tenho o meu sorriso,
autêntico e cândido,
que nem sempre é alegre,
embora eu me zelo para que assim seja.


Trago o olhar no gesto das pequenas coisas,
quase ténues, em memórias de outro tempo,
bem-aventurado e cristalino,
em que eramos felizes e não sabíamos.


Muitas vezes quando as sombras me sobressaltavam,
e os meus fantasmas ressurgiam,
eu amedrontada, forjava histórias,
para lutar e não ficar com medo.


E fazia-me forte para ninguém saber,
que eu morria de medo desse breu,
que em mim pousava e demorava-se,
desde sempre me acompanhou e nunca de mim se apartou.


Em contraponto amainava o ver a rebentação das ondas,
que pareciam entrar pela casa dentro,
mas o muro alto de betão protegia-nos potente,
quando a noite se alvoroçava em tempestades casuais.


Um dia o meu chapéu voou da minha cabeça,
e as ondas levaram-no, eu não o consegui salvar,
e minhas lágrimas derraparam gordas,
tanto sal, tanto mar, tanta água….


© Piedade Araújo Sol 2021-01-18 
Imagem: Viktoria Haack

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terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Retalhar palavras escondidas

 


Palavras que não saem de mim ,
retraídas, retalhadas, 
incrustadas em mutismos massacrados, 

não há respostas para perguntas sérias, 
e o olhar fixa-se num fragmento de inércia, 
em querer entender certezas incertas, 
que voam dispersas sem rumo ,
o vento parece um espelho distorcido, 
onde o olhar já não tem o brilho, 
nem a inocência de outros tempos, 
onde as palavras se decidem,
a aparecer sem mágoas, 
opto por esconder as que mentem, 
que enganam, e por isso escondo-as, 
por aí em guardanapos, em papéis, 
em sombras de mim e delas ,
talvez a culpa seja deste frio, 
que me neutraliza a alma,
e já não compreende o canto dos ventos, 
um dia serão existência ,
hoje apenas aprisiono a vontade, 
de as resguardar. 

© Piedade Araújo Sol 2021-01-11

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terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Era Janeiro


À memória de meu pai 

Era dia de Ano Novo
Era Janeiro e partiste 
A manhã raiava timidamente 
Estava frio!E acho que esse frio nunca mais me deixou 


O teu nome ecoou no adro da Igreja
 Num grito pungente da mãe 
Mas o teu corpo inerte 
Já deixara de ouvir e respirar 


Ainda oiço o mar que sempre me chama 
E que aviva a tua lembrança 
Que se quer inesquecível 
Pelo menos enquanto eu viver 


Uma ausência que se gere conforme se pode 
Mas que é sempre dolorosa 
E difícil de aceitar,

 

Era janeiro! 
Tantos anos já se passaram 
Tantos 
E para mim é como se tivesse sido ontem. 

©Piedade Araújo Sol 2021-01-01
Imagem : Jaroslaw Datta

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