terça-feira, 30 de junho de 2020

Viver

Custa viver assim às apalpadelas
à espera de coisa nenhuma
os dias são estradas sem saída
e já não há sonhos
só um sofrer sem som
uma mágoa serena e tranquila
um egoísmo compartilhado
entre seres humanos.

Custa viver assim às apalpadelas
quando não existe motivo nenhum
para coisa nenhuma
e onde há música algures
rostos desiguais desfiando sorrisos
em espaços volúveis
cheios de tédio disfarçado.

Custa viver assim às apalpadelas
sofrendo tranquilamente
numa tarde quente de Junho.

© Piedade Araújo Sol (Junho 2005)
Imagem : Viktoria Haack

Etiquetas: ,

terça-feira, 23 de junho de 2020

Pranto ou fado em tempo estranho

“Vim deixar meu quieto pranto saudoso”
JCS

Entro no mar salgado
Procuro as águas
Para desaguar as lágrimas
Amotinadas, e analiso que
Já não me sei das horas em mim

Na esperança do lusco-fusco
Que se prenuncia
Fico a espiar num tempo sem horas
A alongar o meu olhar
E a ouvir o murmúrio do mar

Não sei já do dia que desabrido
Abandonou-me
Numa praia que não conheço
Onde só oiço o eco do vento
E o frio da noite

Pouco importa! Procurarei o caminho de casa
Todo mundo tem uma casa
Não me sei de tempos nem horas
Só esta dor órfã e que se reflecte
Nas sendas das rugas fundas do meu rosto

Já não entendo este tempo estranho
Que tem odor de pranto
Com mistura de espanto
Ecos de uma guitarra
E som  de um  fado  triste.

©Piedade Araújo Sol 2020-06-19
 Imagem : Viktoria Haack

Etiquetas: ,

terça-feira, 16 de junho de 2020

Adeus!


Não gosto da palavra adeus,
por isso jamais a pronuncio,
é demasiado insofismável,
adeus é para sempre,
tem um entoar a despedida.
Ensinou-me a minha mãe.

Era sábia.
Disse-me também 
para usufruir todos os momentos da vida
porque só temos uma vida
e viver é só uma vez
(Só os gatos é que têm sete vidas)

Agora a morte!
Não devemos pensar nela,
porque pode ser de várias maneiras,
e pode acontecer várias vezes,
ao longo da nossa vida,
e do nosso viver.

E ela tinha razão,
Todos os dias morremos,
um pouco de cada vez.
Morremos, chafurdamos no limbo
renascemos e outra vez sucumbimos
a uma morte que nem contestamos.

Se for mesmo concludente,
quando acontecer, prometo,
no mais sepulcral silêncio,
talvez num murmúrio inaudível,
então dir-te-ei.
Adeus…
-
©Piedade Araújo Sol 2020-06-15
Imagem: Tyler Rayburn

Etiquetas: ,

terça-feira, 9 de junho de 2020

Falando de pedras vivas



As pedras também têm vida
eu sei que sim,
por isso deito-me em cima delas ,
a sonhar com a linguagem do vento,
e o mar salgado que me alicia,
e  fico a investigar o horizonte,
denso de enigmas.

Nesses momentos, determinada,
ausento-me de mim,
e  fico nessa solidão solidária,
que salpico com fios de ilusão,
 repletos de aromas salinos
e cores. Azuis! Sempre! Ou quase!

Às vezes oiço vozes que me fazem sorrir,
e me cobrem de serenidade,
quando volto,
escondo nas mãos sem ninguém ver,
 uma pedra, que levo  cheia de sonhos dentro dela,
e paz dentro de mim.

©Piedade Araújo Sol 2020-06-08
Imagem: Viktoria Haack

Etiquetas: ,

terça-feira, 2 de junho de 2020

Desencontros


Desencontros são por vezes
como poemas
escritos ao adverso.

Abraçamos a palavra
preparamos o verbo
as sílabas, e o mote.

Que se esquiva e dança
dançando sem nexo
na nossa mão nua de ação.

As letras estão ali todas
reunidas e desemaranháveis
e no entanto revoluteiam.

Em contramão e dissipam-se
em encontros que se entrosam
em casuais desencontros.

©Piedade Araújo Sol 2020-06-01
Imagem : Ilya Kisaradov

Etiquetas: ,