terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

virgem na próxima página

desbravo as letras. amanho-as. como a um corpo. elas beijam-me.espontâneas. não tenho medo da página. que se mostra tímida. virgem. nua. revivo a música na letra da canção. semeio as letras. alinhavo-as. arrumo-as oblíquas. navego. lavro palavras soltas. em comboio. em trem de brasileiro. presas em leivas. sulcos de arado. por essa página acima. remo contra a corrente. em espiral. consagro as palavras como frutos maduros. caem-me nas mãos. ainda sem bicho. da árvore. sombra. nos dias de canícula. beijo-os sem medo. ninguém vai entender os carris. as letras surreais. as palavras aradas. que amanho. que beijo. que me beijam. inundação no papel. já não virgem. afogo-me voluntária. virgem na próxima página.
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Foto:Erlandpil_03.jpg

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Olé



Destilavas veneno com poses estudadas
E escritas numa tourada de embustes
Intrigas e ódios mesquinhos
Bandarilhados numa faena só tua

Usaste as tuas farpas nos cornos
Contra ninguém
Porque eu nunca entrei na arena
Nem quis lutas de capa e espada
Ou orelhas e rabos como troféus

A lide para mim nunca começou
Nem novilhada foi
E se foi, só houve um touro e um toureiro: tu
Eu fui um mero espectador que sorria
Ao lado do inteligente
A ler adulterados olés que saíam de ti
Numa garraiada grotesca sem passo doble

O sarcasmo e a ironia deram lugar
À idiotice em ti escornada
Num enredo que faz lembrar um circo
Onde se existe um palhaço que julga fazer rir
E onde ninguém ri, só sentem dó

Continua a destilar o teu veneno
De forcado sem espada nem muleta
Pelas vertentes da tua própria pequenez
Mas na tua alternativa de peão solitário
Olé
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Foto:Robik

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Frio nasceu Fevereiro

Frio nasceu Fevereiro
Parece incapaz
De uma quentura que seja
A tudo alheio cresceu
Nas suas águas amargas
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Um barco de papel
Flutua longínquo
Embuçado refúgio
A deslizar de frio varado
A navegar com calor
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Frio nasceu Fevereiro
Mas cresce o fogo de te querer
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No meu veleiro embarcado.
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.Foto:Agnieszka Motyka

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Janelas de sol

abandono-me no declínio da tarde, no mesmo sol-posto dos pescadores a regressar da faina escoltados por gaivotas. a maresia inocente nos meus olhos. um pulsar de ondas na mente. a outra cidade ao longe a bocejar sobre o mar. o olhar perscrutador a naufragar na ilusão da verdade. hoje pernoito nas areias desarrumadas. durmo refugiada numa duna inventada, onde as conchas abundam e os seixos me incomodam. o vento sopra manso. e no entanto constante. a cor cinzenta do vento nas entranhas. a lua a querer despontar partida pelas nuvens. a medir forças com ela numa brincadeira divertida. o medo nas asas das gaivotas famintas. a noite a engolir sardinhas ainda vivas. levanto-me sonâmbula e deambulo à procura de nada. regresso ao princípio do olhar fixo nos vidros limpos da janela que me guarda. renasço no mesmo alvorecer dos pescadores a acomodar redes e anzóis. parto à procura da verdade com as minhas asas de gaivota. acordo-me na cidade em voos de esperança. abro janelas de sol.