terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

nas minhas mãos



nas minhas mãos, cabiam todas as tardes em que eu olhava o rio
e o confundia com o mar brilhante que havia nos teus olhos
por vezes plácido
outras vezes quase colérico
quase revolto,

mas as minhas mãos hospedaram tantas vezes as tardes e os dias
que por vezes as palavras foram seda
e a maciez delas em ti foram apenas ocaso
foram ternura desmedida e luz a escorrer em cachão,

as minhas mãos resguardaram o meu mundo
e eu fiquei aqui
nesta margem a tentar prolongar os tons em sépia que o    crepúsculo
ainda e sempre nos mimoseia.

© Piedade Araújo Sol 2013-02-26

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Já nada cabe no poema

Já nada cabe no poema, onde a desilusão
é cada vez mais inútil, e no entanto
cada vez mais violenta.
.
E a palavra entorpece no repouso do abismo
encoberto de cinza e névoa
cerceando a loucura entranhada
nos dogmas dos endeusados deuses
sem reino,
.
ignoro e desfaço fios de noite,
como se fossem pedaços de verde (azul)
que deixo cair,
lentamente sobre o mármore
das ideias serenas , órfãs
de tudo e de todas as ideologias,

 nada cabe no poema.


© Piedade Araújo Sol 2013-02-19
foto - maszu


terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Fantasias

Alosza


Dentro de nós, ainda temos as mãos adornadas
do bulício das ruelas calcorreadas
onde os beijos acontecem
sem sequer sabermos o dia que anoitece
e a manhã que o antecede.

Dentro de mim, ainda oiço o sorriso (teu)
e a ternura dos olhos inundados
de cantos celestiais e aventuras
nas curvas do mar
em ondas amotinadas e salgadas.

Dentro de ti, sei que voas nas asas de um sonho
teu (ou só meu) onde as aves voam com um rumo certo e migram
para países soalheiros
ou tão-somente
para dentro de nós.

E subitamente, o tempo é um labirinto
onde nos inventamos
ou nos perdemos
no fogo das intempéries
ou na erupção dos vulcões
que se desfazem em lava.


© Piedade Araújo Sol

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Cogitações

sz



.“Sei que o meu corpo te sabe a amoras silvestres.”
Pensava ela.

Por vezes gostava de fechar a luz e deitar-se na posição fetal. Tinha por hábito ficar ali, abandonada na cama do quarto pintado a cal branca defronte do mar,
a rebobinar a sua vida cheia de labirintos e enredos.
Não sabia se era só ela que assim procedia, mas devia haver pessoas assim como ela por esse mundo além.
Quando o dia era apenas mais um, cheio de inquietações, quando o sol nem brilhava, e ela confundia o dia já com a noite que se demorava, a saudade corroía-lhe a mente e o coração doía-lhe cheio de tristeza.
Gostava de sonhar com as ruas onde por vezes se perdia, e dos miradouros onde gostava de pintar a cidade.
Nunca tinha ousado pintar o retrato dele.
Por vezes isso ainda lhe fazia avivar mais a saudade, e ficava quieta, a imaginar sons e cheiros. Na verdade amar era complicado, e havia tanta outra coisa para amar sem ser ele.
Mas mesmo sem o ter, ela ficava ali a pensar e sorria sempre, e era a lembrança das amoras silvestres que a confortava.
© Piedade Araújo Sol 2013-02-05