sábado, 31 de julho de 2004

Momentos passados, momentos presentes

Não queria sequer me lembrar que no dia seguinte teria de ir ao banco falar com aquela gestora de conta, acerca do financiamento do empréstimo para a empresa.
Nem sabia o nome dela, mas já tínhamos falado telefonicamente, e só a sua voz me irritava. Sempre tão arrogante, tão segura. Odeio mulheres assim tipo macho, pensei eu. Quando me disseram que teria de ir lá para assinar uma documentação, e discutir uns balancetes e as taxas dos juros, senti um calafrio na espinha dorsal. Raios. Ela devia ser velha, gorda, feia e devia vestir-se como uma executiva em fim de estação, e comprar as roupas que usava, naquelas lojas de marca, quando se encontravam em saldos. Que ódio.
Pensando bem, ela tinha sido sempre correcta comigo, porquê esta implicância da minha parte? Não sei. Até que a voz às vezes me parecia lembrar alguém. Quem? Não me recordava, por mais voltas que desse à cabeça.
Nesse dia senti-me nostálgico, assim como um vazio, como se fosse fazer uma viagem sem retorno. Que esquisito. Quando saí da empresa, sentei-me ao volante do meu carro e senti-me melhor. Adoro conduzir sem destino, ele nunca reclama, é só encher o depósito e andar.
Quando me dei conta ia na Auto-estrada a mais de 140 km à hora a caminho do Algarve. Senti saudades da herdade da minha avó, de me sentar à sombra das figueiras e comer os figos acabados de apanhar ainda com o mel a escorrer.
Que diabo, estou delirante, ou quê? É noite cerrada quando avisto a herdade, as figueiras lá estão. Meu Deus, carregadas de figos frescos! Estaciono na berma da estrada, salto a cerca e desço. Sentei-me debaixo da figueira. Olho a casa dos caseiros que fica mesmo ao lado. Têm as luzes apagadas, devem dormir já.
Os caseiros tinham vários filhos que costumavam subir às figueiras e surripiar os figos mais maduros. Eu detestava que eles fizessem isso e então chamava-os de “macacos”; a avó não gostava mas eles ficaram com essa denominação e por fim até a avó já dizia, quando eles faziam algo que a desagradava, “Aqueles macacos!”.
Olhei o relógio de pulso. Eram duas horas da madrugada, e estava eu ali debaixo da figueira da avó a lembrar-me daquelas tretas.
Foi ali que fiz amor pela primeira vez. Éramos os dois inexperientes e fomos escolher a sombra e um recanto debaixo da árvore. Era assim uma noite de Agosto como esta. Ela era a miúda mais bonita do Liceu. Esqueci o seu nome, todos lhe chamavam Xanda e a mim todos me chamavam Figo. Que estranho, amanhã tinha um dia em cheio e estava ali armado em parvo, cogitei eu.
Levantei-me e dirigi-me para o carro. Fiz a viagem num abrir e fechar de olhos. No dia seguinte tinha uma maratona de reuniões pela frente.
Quando acordei em vez de me dirigir para a empresa, optei por ir directamente ao banco, assim resolvia aquele assunto e ficava com o dia mais livre.
Quando lá cheguei e depois de me identificar, o segurança indicou-me a sala da referida gestora, informando-me que ela se encontrava noutro departamento mas que já me atendia.
Entrei, sentei-me e com os olhos perscrutei o ambiente. Em cima da secretária tinha uma placa com um nome gravado “Alexandra Sousa”.
Numa fracção de segundos, reflecti e lembrei. Alexandra igual a Xanda.
Meu Deus! Quando ela entrou na sala, levantei-me de chofre e ela parou estupefacta. Em sincrónico as nossas vozes se encontraram e exclamaram em uníssono:
Xanda! Figo!
Ficamos ali a divagar antes de começar a dialogar acerca do assunto que ali me tinha levado. Depois da surpresa do encontro, demos inicio à reunião, ficando tudo acertado.
Hoje sinto-me outra vez uma criança feliz. Vamos jantar os dois e reviver a nossa primeira noite à sombra da figueira da minha avó.
Sinto-me outra vez como se não tivesse crescido. Estou eufórico.