terça-feira, 28 de abril de 2015

A voz do vento

Joel Robison

Deito-me no chão, e aguardo que a voz do vento
me traga ecos audíveis nos silêncios de mim
e desta solidão entranhada
nesta ténue linha de vida que ainda abraço
num amplexo sem termo
e num sorriso moldado e costurado
no horizonte e no ocaso misturado.
Nos olhares anónimos semeados numa cidade
apressada e infeliz.
E deito-me com os ouvidos colados
aos cantares dos melros na primavera
e saberei ouvir com eles a voz do vento.

©Piedade Araújo Sol 2015-04-27

terça-feira, 21 de abril de 2015

Insónia

Jaroslaw Datta

Para Celeste Almeida
Escuta o silêncio da noite
e ouvirás os sons da terra
em permanente transmutação
em seu constante palpitar.

Desgasta o pensamento
em rituais de lendas
que reproduzem mistérios actuais
e que algum escritor ainda vai registar.

Respira o cheiro do linho da terra
cerzido
nos lençóis estendidos
frescos e amarfanhados.

Trespassando a noite
ao longe ouvirás um cão latindo
com uivos desesperados
e intrusos invasores do teu sono.

Todas as noites
ousamos morrer um pouco
e é urgente viver
para não morrermos devagar.

© Piedade Araújo Sol 2015-04-19

terça-feira, 14 de abril de 2015

Apenas um livro em chamas, apenas fogo

Joel Robison
Eras um livro sem ser livro
Tinhas e eras voz
Eras repercussão transformado em
murmúrios nas tardes coloridas
de um outono que  se
metamorfoseava em verão.
Como podias ser ignorado?
Quando até o perfume se entranhava no ar que respirávamos
eu e tu.
Porque não te fechei, como se fosses um livro que não queria ler
e te coloquei nas prateleiras mais altas da estante da biblioteca?
E por cada página lida
Em cada sílaba
Em cada vírgula
Em cada ponto
Era sempre uma nova descoberta
O saborear de um novo prazer
em permanente concepção.
Porque não te ignorei, desde o primeiro momento?
Porque sinto ainda esta estranheza,
e este frio desassossegado,
onde a raiva e a ternura são fogos,
deslizantes em mim e nessas páginas,
que de tanto as ler,
e de tanto as querer ignorar,
apenas restam estas chamas em que me queimo e me desfaço,
num laço que  desenlaço,
de um corpo que resiste .
E resta
apenas um  livro em chamas , apenas fogo.


©Piedade Araújo Sol 2015-04-11

terça-feira, 7 de abril de 2015

Disseram-me que,

Disseram-me que,
qual errante vagueias pela praia,
que usas os cabelos presos com um lenço, que se confunde com os teus vestidos, quase a roçar o chão,
que quando andas fazes lembrar uma ave esvoaçando, e que o dia transforma-se com tonalidades esquisitas e até o som do mar fica diferente e cadenciado,
como se uma melodia descesse e pousasse suavemente na areia da praia.

Disseram-me que,
já não falas dos barcos, que já não desenhas os sonhos como um bailado de estórias, mas que ainda tens a ternura e a sedução no brilho do teu olhar.

Disseram-me que,
nunca tens hora de aparecer , e que os pescadores remendam as redes já remendadas, por vezes até ao anoitecer, só pelo prazer de te ver chegar.

Disseram-me tantas coisas,
que,
só sei que em nada acreditei, e que um dia destes,
deixo à deriva tudo aquilo que eu não sei,
e pego nos pincéis e
vou novamente à tua praia, para mais uma vez abraçar-te no teu mundo
e tentar retractar-te para uma tela
as mesmas cores com que um dia pintei o teu rosto ao lusco-fusco.

©Piedade Araújo Sol 2015-04-05

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