terça-feira, 29 de agosto de 2023

as palavras correntes

 

quando as palavras enegrecem
temos de as libertar como pássaros
a volutear no horizonte

apanhar flores, como se fossem palavras
e pô-las numa jarra, mesmo que perfeita
acabam por fenecer

se não usarmos as palavras
elas acabam por fortalecer o silêncio
e desperdiçar no tempo
a sua força e lucidez

as palavras querem-se livre e soltas
boas ou menos boas
perfeitas ou imperfeitas
mas que nada nem ninguém ouse
nos roubar o uso das palavras…

©Piedade Araújo Sol 2023-08-28
Imagem :Vincent Bourilhon 

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terça-feira, 22 de agosto de 2023

Memórias Dispersas

 Às vezes (muitas) sinto saudades do tempo em que nos tínhamos. Tu, com as mãos caídas no regaço, a idealizares palavras com tempo, que já se esvaziava no teu tempo, no términus de outro tempo (agora) sem tempo.

 Eu sei que algumas palavras (muitas) ficaram por dizer, sei que a tua face ocultava (por vezes) o grito das gaivotas e o desassossego das marés, mas tu entendias a ternura das terras e sabias como ninguém o tempo das sementeiras nos terrenos que se alongavam defronte dos teus olhos. E, quando falavas da luz de Lisboa, os teus olhos transmitiam réstias de névoas de uma nostalgia hospedada em encruzilhadas de saudades, e de abraços e beijos que ficaram por celebrar. 

Já não nos temos, e os meus passos, a recusar cada vez mais memórias, já não me transportam à casa grande que a planície ainda tem. 

Passaram alguns anos, mas ainda persiste em mim a tua mágoa de não teres visto Alcântara uma última vez, antes do teu olhar doce e sereno se perder para sempre no azul dos céus e nos enigmas da noite que se abateu para sempre em ti. 

E, de nós, só nós sabemos. 

(Obs.: Em memória da minha mãe, hoje dia do seu aniversário)

Autor © Piedade Araújo Sol  2012-08-21
Imagem : Lauren Alexander Miller

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terça-feira, 15 de agosto de 2023

Vou nos dias

Vou nos dias que se baloiçam na sombra do vento,
não quero nem saber por onde vou,
nem como, nem quando.

E no entanto muitas vezes (tantas),
nem saio,
de onde estou.

Não consigo libertar-me de um sorriso,
e todos os dias, vou dependurada
na luz de um sorriso meu.

e no dia claro (escuro)
espero um sorriso teu.

©Piedade Araújo Sol 2013-04-30
Imagem : Jovana Rikalo

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terça-feira, 8 de agosto de 2023

Há dias assim

O sol entorpece sobre a melancolia do dia
A noite espreita com a cumplicidade das estrelas
E a anunciação dos anjos a resguardarem
Os abismos em que muitos se abalroam

A janela aberta deixa-me ver o mar
E apreciar o último voo de alguma ave insurrecta
Neste exacto momento, nada me inquieta
Cristalizo o meu sossego, num espiral de paz

Há dias assim

©Piedade Araújo Sol 2023-08-07
Imagem : Elena Vizerskaya

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terça-feira, 1 de agosto de 2023

Carta para a Paz

Podia deixar-me ir ao sabor do acaso, mas não consigo. Sinto-me como se fosse uma árvore infecunda e cansada, quem nem sombra sequer dá. Tudo é triste deprimente, como esta névoa que se instala entre mim e o mundo em que vivo. 

Vivo, ou finjo viver.

Estou cansada de ver guerras, gente a sofrer, a morrer sem sequer ter vivido ainda, e sobre mim, acho que tenho séculos de tristeza, que se transmutam em espectros que me provocam pesadelos.

Tenho medo, medo de me sentir por vezes feliz, de me entusiasmar pela vida, enquanto vejo a vida não ser vida para outros, outros países, outras raças, outros eus.

Podia deixar-me ir ao sabor dos sonhos, e afinal eles nem sonhos podem ter, nem sabem o que é viver sem guerra.

Estou triste, triste, e nem sei porque sinto medo, se em mim tudo é árido quando leio o que leio e não concordo...

©Piedade Araújo Sol 2006-07-28

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