terça-feira, 31 de julho de 2018

Sei

Cristina Coral
Sei de tardes assassinadas pela noite,
e de manhãs atropelando o dia,
que galopavam a trote de magia.

Sei de castelos que visitei,
das ameias previsíveis,
e do sol nos olhos embevecidos.

Sei das linhas do teu corpo, perfeitas,
de lençóis de linho da terra,
cheirando a alfazema.

Sei e nem sei se sei.

©Piedade Araújo Sol 2009/07/28

terça-feira, 24 de julho de 2018

Há poemas esquecidos

MirellaSantana 
Há poemas esquecidos no fundo da noite...
Penetro num espaço que não é meu. Respiro o ar viciado dos cigarros que não fumei, e sinto a solidão nos rostos que desfiam sorrisos na noite parda, esquecida em bebidas agridoces, servidas em copos de vidro. Não há água que sacie a minha sede. A minha garganta está seca. No fundo da sala alguém coloca música misturando sons, que se formam em ecos. Na penumbra. Os corpos oscilam entre espasmos de alegria ou nostalgia disfarçada.
Há poemas esquecidos no meu olhar e no fundo da noite….
©Piedade Araújo Sol 2007-01-09

terça-feira, 17 de julho de 2018

Darei voz às vozes surdas

Marcela Bolivar

Arrumei todos os livros nas prateleiras mais altas
Não lhes queria aparecer em sorrisos imaginários
Para que o cântico dos sonhos morresse de vez nas palavras

Quis inventar crisântemos e riscar a minha pele
Com véus em murmúrios escuros de organza
Cerzidos por linhas cruas de tons densamente nublados

Florescia em mim a memória das coisas amargas
Porque era noite e tinha frio nos caminhos tortuosos
Que de tão ásperos percorria a sangrar num martírio

Estava demasiado cansada para prosseguir submersa
Na asfixia da insónia fertilizada por laivos de pesadelos
Indecifráveis que medravam como as ervas daninhas

Mas vou reler os livros
Darei voz às vozes surdas para que me deixem viver

©Piedade  Araújo Sol  2009-01-27

terça-feira, 10 de julho de 2018

Conjunturas II

Mikael Aldo
Levanto o olhar para melhor
Fingir que não vejo, o que por vezes
Os meus olhos capturem quando
Passeiam descontrolados
E inquisidores

Às vezes não oiço nada e só pelo mover dos lábios
Retenho palavras
Que relembro nas memórias
Que se perderam nas margens de um mar inquieto
Ou de um rio que fugiu do afluente
Que o inventou ou enjeitou

Quando quero
Levanto os olhos e vejo poesia,
E silencio esse prazer num rio de silêncios
Ao sabor de uma corrente
Que deslizam
Nem sempre para foz de algum mar

Chego a conversar comigo
Em gestos cúmplices, pequeninos
Que ninguém pode entender
E pouso o meu olhar com tanta ternura
Sobre o dia…e saio distraída com um poema
Inacabado nos lábios

©Piedade Araújo Sol 2018/07/08

terça-feira, 3 de julho de 2018

Teoria


Ashraful Arefin
O ruído das palavras
Que leio nalguns livros
Incomodam o silêncio
Que por vezes deles emana

Não ando distraída
Procuro motivos
Horizontes calmos
Lápis para colorir o livro

E não as sei encontrar
Meus olhos míopes
Vislumbram apenas gotículas
De estórias inacabadas

Deixo-me navegar em mim
Desabitada
Mas não distraída do que me
Rodeia e asfixia.

©Piedade  Araújo Sol 2018/07/02