terça-feira, 27 de março de 2012

Ninguém é capaz



Ninguém é capaz, nem mesmo à lupa,
De te ver como só eu te vejo
Quando sorris e o teu rosto se ilumina
É como se o sol apenas brilhasse para mim

Mesmo quando, raramente,
O teu olhar se cala e parece que nada traduz,
Eu vejo o teu interior claro e comedido
No mais ínfimo dos detalhes

Todos te conhecem mas não sabem
As qualidades que de ti me sulcam
E os defeitos que em mim soçobram

Só eu sei – tu, nem por sombras sonhas -
Da transparência iluminada da tua beleza
Quando, de tão rendida, olho para ti

 .
© Piedade Araújo Sol  2012-03-27
 Foto : shawrus 


terça-feira, 20 de março de 2012

Talvez a saudade



Talvez a saudade tenha perpassado por mim
e me tenha cravado as marcas
boleadas de cores sépia no olhar como os contornos da areia
que os meus pés molham ao cair da tarde, onde as gaivotas
por vezes adestram os seus voos
- nem sempre graciosos -
e em que me entrelaço na ténue recordação de um dia já pisado
.
Terás dito
- tal como a sombra -
que a areia não se afundava na água - e eu acreditei
em tudo o que vi e ouvi - julguei que assim seria - um testamento
lavrado e registado em letras que se podiam gravar
nas pedras que flutuariam no mar da nossa redenção
.
E eu
- tão louca -
ainda quis esculpir o teu sorriso em chamas bravas nas pedras
que as águas - do nosso suor salgadas - não poderiam apagar
-
© Piedade  Aráujo Sol 2012-03-20

terça-feira, 13 de março de 2012

Hoje



Hoje decepei uma flor do jardim era em cor rosa e dependurei-a nos meus cabelos, mas ela revoltada floresceu e deu cor à fragilidade da ausência do arco-íris em mim.

A vida tem por vezes pontes onde nos perdemos sem querer, por vezes em abismos com névoas e cheiros de líquenes, mas também em oásis de cores e sabores, em águas cristalinas em pontes movediças, em lama em prazeres.

Viver é assim, abandonada na inércia duma parte de tempo que se desfaz, e que nada detêm no seu voo, por vezes em silêncio com ecos de loucura branda e branca.

© Piedade Araújo Sol 2012-03-13

terça-feira, 6 de março de 2012

Olhares


Da minha janela, eu vejo o mar que se confunde com o rio. A cidade dorme em desassossego. Mas eu não durmo, porque dormir é uma maneira demorada de morrer, sem se saber. Tenho pedaços da noite radicados em mim e nas paredes limpas da casa. O medo mascarado em noite. Em que estremeço, na sombra e na rotina dos gestos que faço. Espantam-me os ecos terríficos dos espectros que aniquilo calmamente. Inquieto-me. Alguém me procura. De repente, sobre os plátanos da praça, acorda Março. Os pássaros ensaiam um voo em círculo, cego e louco, na manhã acelerada que se abate sobre a cidade e o rio.
Adormeço, enfim, liberta e sem memória. Atravesso o sono e o sonho, morro inocente no delírio do tempo e mergulho no aquário onde os peixes nos afogam
.
© Piedade Araújo Sol  2012-03-06
Foto : Nat. S