terça-feira, 31 de março de 2015

Gosto de gostar



Mathieu Chatrain

Gosto de gostar.
Não literalmente de uma coisa específica.
Gosto de gostar por exemplo, de coisas.
Gosto de coisas, que me lembram outras coisas.
Gosto de cheiros, que me transportam a lugares onde já estive!
Gosto de locais, cheios de cores e mistérios
Gosto do mar.
Como é óbvio não gosto de tantas outras coisas. Mas isso são outros trilhos que não convém dissertar, não interessa a ninguém.
Também este texto não interessa a ninguém, e então ficamos quites.
Eu e o texto, e a quem o ler se alguém ler.
Gosto de pessoas!
Gosto de ti!
As palavras nunca foram o teu forte, mas o teu olhar dizia o que escondias nelas. E eu gostava. Eu dialogava com o teu olhar como se as palavras desabrochassem dali.
E tu rias! Rias com um acervo de prazer que quase ou sempre me enternecia. E eu retratava esses momentos, para depois no silêncio do meu quarto, arquitectar cores
e formas e depois pincelar-te na minha imaginação, qual modelo de(im)perfeição. Eras um verso só meu, que eu conseguia desbravar, manipular, amar, e abraçar.
Egocêntrico e puro egoísmo.
Cristalina fantasia de poesia escrita nas memórias de ti e do teu corpo
Quando a alvorada se anunciava e o sol obstinado

invadia pela janela, eram como se fossem os teus lábios, que pousados na solidão do meu quarto, deixavam ósculos invisíveis. 
E o meu quarto, muitas vezes era apenas um palco de um monólogo (o meu), e
outras vezes, palco de dois corpos que eram partilhas de amor. Inventado ou não.Ou sexo. Apenas. Talvez.
Desdobrando o guião, não existiam palavras escritas, desdobrando a partitura não existiam pentagramas nem claves, por isso, nada estava escrito.
Nada está escrito!
Eu sei que sou difícil. Sei! Não sei!
Amanhã é possível que lembres, quiçá, de um aroma.
Ou de alguma gargalhada a ecoar num qualquer e inusitado momento.
Talvez que a memória de algo fique a flutuar nas reminiscências das palavras caladas e imóveis.
Talvez esboces um sorriso e se alguém perguntar a razão do teu sorriso, tu, que não gostas de falar de coisas pueris, dirás apenas para ti
-Foi um sonho que voou agora por aqui.

Eras um verso inacabado. Sempre um verso em criação!

Gostei de ti.
Gosto de ti.



©Piedade Araújo Sol 2015-03-27

terça-feira, 24 de março de 2015

não era ainda o tempo

norvz austria
Para Graça Pires

não era ainda o tempo,
a noite gerará um novo dia
para que consigas
pousar os teus lábios no poema.

e sabes que é como uma nascente
que quando nasce brota água
a diferença é que não será água
mas apenas letras que encalham no papel.
talvez nem sempre tenham o esplendor de uma
alvorada incandescente
mas nem sempre tudo será rubro
alucinado de fogo em ascensão.
pode surgir do nada,
e a tua alma limpará as janelas sombrias
e as abrigará de novo dando guarida
ao novo cantar dos pássaros.
nascerá em  toda a ternura tresmalhada
e na inquietação em desordenação
que se prenderá nos relógios
do tempo e do poema.

©Piedade Araújo Sol 2015-03-20

terça-feira, 17 de março de 2015

Um dia

Joel Robison

Um dia saberás ler as palavras no canto dos pássaros,
no chilrear que eles entoam logo ao clarear do dia,
 e pelas tardes  na ausência da chegada.
Serão de cores translúcidas os dias,
delineados no  horizonte enlaçados de sol,
e não mais de cinzentos nublados.
E embalarás no teu peito os sonhos perpetuados,
em imensas madrugadas em incomensuráveis azuis,
e não no encandeamento do fogo.
Nos corpos ilesos na firmeza da vigília,
saberás que não foi em vão, nem  a raiva do vento,
nem o cheiro  da maresia entranhada nos cabelos em desalinho.
E eternamente escutarás o canto dos pássaros,
em sinfonia afinada e harmoniosa,
no renascer de nós.

©Piedade Araújo Sol 2015-03-13

terça-feira, 10 de março de 2015

Não quero

norvz austria
Não quero o reflexo do espelho que me prende em sombras e desatinos,
não quero o desenho desbotado que jaz em cima do cavalete,
esperando pinceladas enérgicas e perfeitas.
Na luz crua da manhã quando a luminosidade é mais violenta,
espero uma lufada de cores,
desnorteadas e desabrigadas.
       E sei que amanhã terei um rio de luz,
e os meus azuis, estarão novamente,
enlaçados em mim e no reflexo do espelho.

©Piedade Araújo Sol 2015-03-09

terça-feira, 3 de março de 2015

Tenho nas minhas mãos

zazielona
Tenho nas minhas mãos uma flor,
que apanhei para ti.
Transborda a ternura,
espalhada no seu perfume odorífico.
Guarda-a até que nada reste das suas pétalas,
e deixa que ela te beije nas noites,
quando a paixão rubra e em desalinho,
se entrelaçar nos corpos.

©Piedade Araújo Sol 2015-02-24