terça-feira, 29 de maio de 2018

Apontamento


Anna O. Photography

Estendeu os dedos sobre a madeira tosca
Da secretária

Tudo o que podia dizer cabia apenas num gesto
Ou quem sabe num simples olhar
Mas o olhar sente momentos que não são se exprimem
E os gestos ficam aquém das palavras e das emoções

Não me questionem esta habilidade de sentir ou viver
Ou ainda a de  ouvir o choro __________calado
Quando assim tem que ser.

Calado.  E  ________ breve
Fundamentalmente.

Para que não lampejem sombras nos olhos
Nem se prolongue desconforto
Ou apenas mágoa ______ consternação.

E oiço a aragem na janela entreaberta
E o vento na pele e não o vejo
E ficam apenas réstias de tempo

Ausentes_______
Ausentes de mim, porque hoje não quero
Libertar a inquietação dos dias incolores.

Estendeu os dedos sobre a madeira tosca
Da secretária_______e imaginou flores
Entranhadas nas mãos cheias de memórias.

©Piedade  Araújo Sol 2018/05/28

terça-feira, 22 de maio de 2018

Palavras ao sabor da aragem

Cristopher Mckenney

Invento e planto palavras
Desbravo-as como sementes sensíveis
Esbanjadas em seu destino incerto

Insertas em fragmentos de papéis
Saltimbancos de sonhos
Ou apenas barcos amarrotados

Resvalando destes dedos
Tropeçam desavindas
Sem força de vontade

E na doçura da tarde
As minhas mãos soltam as letras
Pela janela ao sabor da aragem

E algures elas serão sementes
Em pomares de letras
Que alguém ainda vai ler

©Piedade  Araújo Sol 2018-05-21

terça-feira, 15 de maio de 2018

Este silêncio

Este silêncio moribundo
Entranhado na triste condição de ser mortal

Nas entrelinhas da tarde que antecede a noite
Leio o abraço nostálgico das sombras
Em centelhas de saudade
Na ilusão que arquitectamos no toque dos dedos
Enlaçada no tempo
Que julgávamos imperecível

Lá fora há luz e confiança
Há a Primavera imperturbável
No olhar das crianças
Que corre devagar
No declínio das memórias dos dias findos.

©Piedade Araújo Sol 2011-05-03

terça-feira, 8 de maio de 2018

Sonho tatuado


Diggie Vitt

Sonho tatuado a fogo de monogramas de ternura
Disperso na candura das águas-furtadas de alfazemas
Escondidas na partilha de um sonho insaciado
Em manhãs solarengas ou tardes cinzentas de chamas

Nas mãos trémulas cobertas de fascínios irrefreáveis
A tatuagem forma-se livre do sonho fundeado
Deslizando em espirais e ecos de afáveis murmúrios
Com os dedos sempre enlaçados em toadas uníssonas

E lá fora a cidade fantasma é uma ilusão impertinente
Onde os rostos não sabem nem sequer imaginam a tumulto
Do teu e do meu corpo voluteando nos próprios sentidos

Envoltos em planícies de trigais numa volúpia crescente
Incendiámos a nossa pele em fogos-fátuos alvoroçados
Na pira em que ardemos abraçados no sonho tatuado

©Piedade Araújo Sol 2008-04-06

terça-feira, 1 de maio de 2018

Sonata

anna o. photography
Há tantas coisas que não dizes e eu sei!

Leio-as quando passeio meus olhos pela tua face macia como a pele de uma criança, e estremeço cada vez que repouso meu corpo junto do teu, como se de um campo de papoilas envolvesse a atmosfera metamorfoseada em ópio.

Tudo é tão espontâneo e ao mesmo tempo tão problemático quando amamos.

Há tantas coisas enigmáticas acarretadas pela noite, e os sonhos ficam herméticos.

E eu sinto que é Maio e que as palavras não são necessárias, quando vagueio contigo pela noite e com as estrelas, e quando apoio meu rosto em teu ombro, acho que tens asas que me levam a sobrevoar os céus carregados de anjos.

E vejo os caminhos do sol que acariciam teu corpo feito querubim e bebemos o néctar das papoilas que inundem o meu leito feito tela pincelada onde o teu cabelo reluz, embriagando-me de abismos em que me enleio completamente alucinada na nudez da beleza do teu corpo completo.

És uma partitura que eu leio enquanto dedilho meus dedos ágeis e seguros nas teclas do piano que irradiam gemidos de ternuras infindáveis…

 © Piedade Araújo Sol  2007-05-26