terça-feira, 26 de outubro de 2010

esta noite andei a vaguear perdida

Esta noite andei a vaguear, andei perdida
pelos bosques a roubar as mais belas flores
que armazenei na lembrança, para tas oferecer
e, com isso, iluminar o teu olhar ao acordares.
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Esta madrugada acordei extenuada e vi,
pela janela entreaberta, que havia orvalhos
a beijar as plantas que dormitavam indefesas
nos canteiros descuidados da nossa existência.
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Esta manhã pressenti o sol a amornar-me
e, por momentos, o meu corpo voou com o teu
nas asas das gaivotas que inundavam a praia.
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Quando os meus pés pousaram na areia fria
eu sorri para ti e à cidade, que me acolhem
como se eu fosse uma indigente abrigada.
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terça-feira, 19 de outubro de 2010

hoje sou o olhar disseminado


hoje sou o olhar disseminado
a contemplar através da janela
em vão
um vulto que já não vem
pássaro extraviado
que viaja errante num céu sem dono.

na tua rota a noite beija os amantes
deitados desnudos em lençóis emprestados
olho os segredos que não sei
nos sussurros dos ventos
ou o silêncio escondido na concha
duma ostra.

hoje recordo as pétalas perdidas no oceano
que tu atiraste um dia
sou as margens dum rio que te envolveu
e tu dizias: não tenhas medo
eu vou te salvar
para te amar até que o dia beije a madrugada.

e hoje o dia foi um apenso
da madrugada vazia.
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Foto: kiki123

terça-feira, 12 de outubro de 2010

muitas vezes (ainda tantas)


À memória do meu pai

muitas vezes (ainda tantas), com o lápis de cera da tua lembrança, desenho a saudade em forma de barco.

outras vezes (muitas…), desenho-te assim, semicerrando os olhos e imaginando cores, sorrisos e até beijos.

os olhos (os teus) ficam sempre sem cor, como se já não lembrasse mais dela – da cor – (muitas vezes… tantas).

imagino flores despetaladas e sorrio quando me perguntam:

- porquê, sem pétalas?

sorrio para dentro de mim e encolho-me ainda mais no meu corpo franzino, mas nunca respondo, porque ninguém ia entender que tiro as pétalas para as pousar numa parte quase imperceptível (do desenho) e ninguém as ver.

porque elas atapetam o chão do meu desenho, para tu o percorreres e não te magoares.

eu sei que tu não sabes quantas vezes desenho as cores do teu mar, do nosso mar, e dos barcos, mas, talvez aí, onde repousas eternamente, tu olhes a tela – inacabada – e compreendas .

muitas vezes (ainda tantas), desenho a saudade em forma de barco… com o lápis de cera da tua lembrança.

12-10-2010 

Foto: aniawojszel

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Artesão de Palavras

Não sei se calas os segredos
Que conheces e os emudeces
Para dentro de ti
E os aferrolhas nas palavras
Que apenas escreves indecifráveis
Para os demais mortais como eu.
.
Não sei se sabes do canto da gaivota
Ao nascer da manhã quando conseguem descortinar no horizonte
O peixe que os pescadores trazem
Da faina de uma noite em labuta
Mais uma. – No mar.
.
Não sei se falas verdade
Quando escreves
Nos teus livros que contam
Estórias de lobos-marinhos
E sereias desavindas com cabelos de algas.
.
Sabes!
Eu acho que tu sabes
Por isso sorris
Quando te chamam Poeta…
.

©Piedade Araújo Sol 
Foto:love_ridden