As galochas amarelas
Há muitos anos, a minha mãe ofereceu-me
umas galochas amarelas – eram lindas.
Usava-as quando chovia,
com meias brancas de corações encarnados.
Nessa altura, desenhava em tudo o que encontrava
e refugiava-me nas águas-furtadas
com o meu amigo imaginário,
a quem chamei Set.
Sobre a mesa onde estudava,
um desenho dele pendia da parede,
e conversávamos
coisas que só ele entendia.
Embora imaginário, era real para mim.
Um dia, pensei que também precisaria de galochas.
Pedi outras à minha mãe.
Ela, astuta, perguntou porquê.
Fiz birra – queria umas pretas.
Ganhei-as.
Coloquei-as ao lado do desenho.
Nunca as calcei. Eram do Set.
A mãe, sempre atarefada,
nunca descobriu o meu segredo.
Autor © Piedade Araújo Sol 2025-02-24
Imagem : Jessica Drossin
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