terça-feira, 26 de setembro de 2023

As pétalas que guardei para ti

Tresmalhadas as esperas,
os trilhos,
os olhares,
as mãos distraídas,
com as pétalas a tombarem
no chão desamparado,
aguardando a chegada
tardia,
apressada.

Esgotada
encolhida na indolência
do fogo reacendido,
onde ainda existiam faúlhas,
que nem a distância conseguia apagar.

Sentada aguarda o voo dos pássaros,
e o vento que vai levar,
as pétalas para outra margem.

© Piedade Araújo Sol 2013-09-23
Imagem : Nicole Burton

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terça-feira, 19 de setembro de 2023

Reflexão

As horas passam e eu não dou por elas, estou aqui estendida sobre as
memórias recentes,
apenas a olhar o mar e fazendo uma catarse de conjunturas idas.
Ao longe, o ladrar de um cão tira-me o torpor em que me encontro.
Ajeito o corpo e vasculho nas profundezas
do meu eu, explicações para factos que são inexplicáveis.

Gosto de estar assim a olhar o mar e fazer conjecturas,
sobre tudo e sobre nada,
e se por vezes pareço oca,
talvez seja uma defesa que eu engendro
para que o vazio não se inviscere em mim e nos meus ossos.

Não vou entender o questionável, não sei ainda abrir
as portas que bloqueei,
existem portas que se fecham e que nunca mais se devem abrir,
e sinto que por vezes a terra roda em volta do meu eixo somente,
e não me deixa ver o que existe além do além de mim.

Mas o mar continua azul e, assim sendo,
amachuco languidamente todos as meditações,
e sinto que afinal estou viva,
o relógio deve marcar tão-somente a tarde em que o sol se põe
e que devo ter sonhado.

Algures, ainda existe algo ou alguma coisa que eu não retive em mim,
mas que me fará ressurgir,
e, tão só por isso, eu ergo a minha vontade
e suavemente deslizo para a tarde
e para a vida que se adivinha.

Não sei a rotação do tempo, nem das marés,
mas ainda vou a tempo de saber.

©Piedade Araújo Sol 2013-09-16
Imagem : Michal Maciak

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terça-feira, 12 de setembro de 2023

Abandonados

Estava sentado num banco de jardim
Daqueles verdes, que se encontram dispersados pela cidade
Tinha o corpo alquebrado

Não se vislumbrava correctamente o rosto
Mas o olhar embaciado parecia preservar
As amarguras de uma vida inteira

Outro dia passei no mesmo local
O banco continuava lá, verde e levemente ferrugento
Ele já não estava lá ______ e nunca mais o vi.

©Piedade Araújo Sol 2023-09-11
Imagem : Verity Milligan

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terça-feira, 5 de setembro de 2023

Um nome que ficou

  

Os meus olhos estão nublados ____ mas não invisuais,
e embora os meus passos percorram o seu destino,
eu sinto-me abençoada _____pela vida .

O teu nome ainda me queima os lábios,
como um fogo em efervescência,
que se reacende e ainda não se extinguiu .

O poema ganha sempre fôlego,
e sem me inclinar na explicação,
que nem indago, agito os cabelos longos.

E escrevo a palavra que sobranceira,
aos dedos esguios, traduzem o teu nome,
essa memória do teu nome ficará para sempre.

©Piedade Araújo Sol 2023-09-04
Imagem : Amy Spanos

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terça-feira, 29 de agosto de 2023

as palavras correntes

 

quando as palavras enegrecem
temos de as libertar como pássaros
a volutear no horizonte

apanhar flores, como se fossem palavras
e pô-las numa jarra, mesmo que perfeita
acabam por fenecer

se não usarmos as palavras
elas acabam por fortalecer o silêncio
e desperdiçar no tempo
a sua força e lucidez

as palavras querem-se livre e soltas
boas ou menos boas
perfeitas ou imperfeitas
mas que nada nem ninguém ouse
nos roubar o uso das palavras…

©Piedade Araújo Sol 2023-08-28
Imagem :Vincent Bourilhon 

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terça-feira, 22 de agosto de 2023

Memórias Dispersas

 Às vezes (muitas) sinto saudades do tempo em que nos tínhamos. Tu, com as mãos caídas no regaço, a idealizares palavras com tempo, que já se esvaziava no teu tempo, no términus de outro tempo (agora) sem tempo.

 Eu sei que algumas palavras (muitas) ficaram por dizer, sei que a tua face ocultava (por vezes) o grito das gaivotas e o desassossego das marés, mas tu entendias a ternura das terras e sabias como ninguém o tempo das sementeiras nos terrenos que se alongavam defronte dos teus olhos. E, quando falavas da luz de Lisboa, os teus olhos transmitiam réstias de névoas de uma nostalgia hospedada em encruzilhadas de saudades, e de abraços e beijos que ficaram por celebrar. 

Já não nos temos, e os meus passos, a recusar cada vez mais memórias, já não me transportam à casa grande que a planície ainda tem. 

Passaram alguns anos, mas ainda persiste em mim a tua mágoa de não teres visto Alcântara uma última vez, antes do teu olhar doce e sereno se perder para sempre no azul dos céus e nos enigmas da noite que se abateu para sempre em ti. 

E, de nós, só nós sabemos. 

(Obs.: Em memória da minha mãe, hoje dia do seu aniversário)

Autor © Piedade Araújo Sol  2012-08-21
Imagem : Lauren Alexander Miller

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terça-feira, 15 de agosto de 2023

Vou nos dias

Vou nos dias que se baloiçam na sombra do vento,
não quero nem saber por onde vou,
nem como, nem quando.

E no entanto muitas vezes (tantas),
nem saio,
de onde estou.

Não consigo libertar-me de um sorriso,
e todos os dias, vou dependurada
na luz de um sorriso meu.

e no dia claro (escuro)
espero um sorriso teu.

©Piedade Araújo Sol 2013-04-30
Imagem : Jovana Rikalo

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terça-feira, 8 de agosto de 2023

Há dias assim

O sol entorpece sobre a melancolia do dia
A noite espreita com a cumplicidade das estrelas
E a anunciação dos anjos a resguardarem
Os abismos em que muitos se abalroam

A janela aberta deixa-me ver o mar
E apreciar o último voo de alguma ave insurrecta
Neste exacto momento, nada me inquieta
Cristalizo o meu sossego, num espiral de paz

Há dias assim

©Piedade Araújo Sol 2023-08-07
Imagem : Elena Vizerskaya

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terça-feira, 1 de agosto de 2023

Carta para a Paz

Podia deixar-me ir ao sabor do acaso, mas não consigo. Sinto-me como se fosse uma árvore infecunda e cansada, quem nem sombra sequer dá. Tudo é triste deprimente, como esta névoa que se instala entre mim e o mundo em que vivo. 

Vivo, ou finjo viver.

Estou cansada de ver guerras, gente a sofrer, a morrer sem sequer ter vivido ainda, e sobre mim, acho que tenho séculos de tristeza, que se transmutam em espectros que me provocam pesadelos.

Tenho medo, medo de me sentir por vezes feliz, de me entusiasmar pela vida, enquanto vejo a vida não ser vida para outros, outros países, outras raças, outros eus.

Podia deixar-me ir ao sabor dos sonhos, e afinal eles nem sonhos podem ter, nem sabem o que é viver sem guerra.

Estou triste, triste, e nem sei porque sinto medo, se em mim tudo é árido quando leio o que leio e não concordo...

©Piedade Araújo Sol 2006-07-28

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terça-feira, 25 de julho de 2023

a menina que observava _____ com olhos de mar

dentro de mim ____ haverá sempre um oceano por explorar,
e eu sei que sou_____ apenas um grão de areia,
mas consigo ainda ver a imperfeição,
nos sulcos _____ entre o areal ____ e o seu trilho,
quase leve, quase pendente no dia,
ou nas sombras da noite_____ eu guardo no olhar,
o que me machuca ____ e o que me faz sentir bem,
dentro de mim ____ albergo ainda toda a nudez,
das emoções inseridas _____ em todo o meu ser.

Autor : ©Piedade Araújo Sol 2023-07-24
Imagem : Victoria Soderstrom

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terça-feira, 18 de julho de 2023

O Abismo

Existe
na escarpa mais alta
que estraçalha o céu, em tempos mornos
e em tempos de temporal
taciturno, analisando o mar
e os céus
o aumento
das ervas e flores usurpadoras
a fingir percursos, saídas
evasões,
ou apenas um abutre de
vidas em suspense.

©Piedade Araújo Sol 2023-07-17
Imagem : Victoria Soderstrom

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terça-feira, 11 de julho de 2023

a fábula dos sentires

 as perguntas desnecessárias evitam-se. nunca te perguntei quem eras! porque eu sempre soube precisamente quem eras. e quando te disse que te amava. eu sabia que te amava como acho que tu me amavase quando entre nós só havia silencio, ele era pleno de cumplicidade e eu sei que morava em ti e tu em mim. posso nem saber quem és, mas sei ler nos teus olhos os mistérios que encerras, as mágoas e os deleites, por isso nunca te vou perguntar de onde vens e para onde vais, porque mesmo que não digas eu sei que vens dum país onde o sol se derrama e te acaricia o corpo morenoe quando vais, sei que te perdes no mar que te seduz e te leva a sonhar com o meu mundo de enternecimento e onde fazes de conta que eu sou uma protagonista de uma fábula onde os animais ainda falam…

© Piedade Araújo Sol 2009-07-07 
Imagem : Sima Domke

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terça-feira, 4 de julho de 2023

O sorriso dos anjos

É no silêncio da noite
Entre a quietude e a insónia recorrente
Que eu invento
A demanda das palavras que se vão desatando
Em movimentos incompletos
Para fazer o meu poema

Vem de longe o sorriso dos anjos
Com que me debato
Hoje em busca da ondulação
em ternura honorífica
Sobre a leveza das palavras

Deixo que a minha pele
Pressinta o arrepio com que me cinjo
Pela madrugada dentro
Em que cada anjo me olha e sorri
Por entre uma poalha de estrelas
Num céu longínquo

Escrevo-te, numa criação imprudente
E no entanto benigna
Na convicção que me estás a ler do outro lado
Da vida
Onde as minhas palavras te dizem
O que eu guardo no silêncio da noite…

©Piedade Araújo Sol 2023-07-03
Imagem : Keiko Kosaka

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terça-feira, 27 de junho de 2023

desenho em _____ completo abstracto

desenho apenas na imaginação ____ que o cérebro preservou
em miragem que esvoaça ____ nas cores que se confundem
num emaranhado de tons frios ___ e por vezes quentes
que se desfazem no espaço ____ em que por vezes divago _____sem sair do lugar
em ocasiões sem ida nem regresso____ apenas hibernação do eu
que se mistura com o alter ego ____
presente _____ou ausente de mim
a imagem ____ é um voo plácido
e os céus são os azuis transparentes
que eu sinto vivos e cálidos
que se desmancham
num abraço imprevisível no vácuo do tempo
enquanto o voo ____ se mantém.

©Piedade Araújo Sol 2023-06-26
Imagem : Berta Vicente Salas

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terça-feira, 20 de junho de 2023

Reflexão

 

Por vezes aquilo que sinto
Queria que fosse ilusão
A verdade é que não é
É a realidade pungente
Que queremos desconhecer
Mas somos incapazes
Por vezes a veracidade
Que as noticias nos trazem
são demasiado violentas
São dores que embora não sejam nossas
Fazem ricochete
E nos tatuam a alma
Que se contrai em sofrimento
Por vezes gostava de me transformar
Em estátua de pedra
Alheia a tudo
Menos ao canto dos pássaros…


©Piedade Araújo Sol 2023-06-19

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