terça-feira, 28 de setembro de 2021

a fundo perdido

Sem sequer o entenderes,
acho que sempre foste meu.

E eu tua, quando as mãos se enlaçavam
e os corpos se fundiam através dos lábios,
rios que primeiro se encontravam
até se deitarem num único mar levantado.

A tua (nossa) rebeldia contagiante
era a chama que nos detonava.
E, amar em fogo perigoso,
era tudo ou somente o que nos restava
quando tanto mais havia para amar.

Sem o sabermos, foste meu.
E eu tua! Por querer,
renegávamos a partilha consumada,
mas ansiando a nova entrega, sem datas na luz
e sem variações inesperadas de marés.

Se não te tenho, o tempo fica inquieto.
Invento quimeras no espaço por ti abandonado,
onde o odor almiscarado se demora,
enraizado, das mãos às narinas desprotegidas.

Nunca haverá correntes que te consigam prender.
Nem a mim, e eu jamais sentirei que és ou foste meu
(e eu tua).
Por isso, mesmo que nunca te sintas meu,
nem eu tua, nada importa,
se tudo faz parte
de um investimento a fundo perdido em nós.

©Piedade Araújo Sol 22-09-2009

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terça-feira, 21 de setembro de 2021

Ensina-me



Ensina-me como aprenderei a contar
As areias da praia
Sem as espalhar
Como juntar as nuvens
Sem as esfarrapar
Como nadar no rio sem me molhar 

Ensina-me a amar sem sofrer
A ter sem saber
A compartilhar e receber
A dar e perder

Ensina-me a voar
A ter asas e as merecer
A usar as palavras
Sem as estragar
E sobretudo
Ensina-me a ficar

Aqui a olhar
O vaivém das ondas do mar…

© Piedade Araújo Sol 2005-09-01
In Ecos Pag.43
Imagem : Nikolay Tikhomirov

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terça-feira, 14 de setembro de 2021

Solidariedade pelas mulheres afegãs

Passam as horas e a dor é cada vez maior
se quiseres gritar, afogas o teu grito
para que nada seja ouvido
e engoles a tua dor gigante
no mais recôndito de ti.

Roubaram-te tudo e o nada
e do nada, deixaram a tua voz muda
e o teu olhar veloz e dorido.

E em todas as mulheres do mundo
a rebelião e a dor
é desespero tolhido
pela crueldade em que vivem
numa espera vazia e desumana.

Que a voz do mundo se levante
que tenham dó
de quem tem o direito de ser livre.

©Piedade Araújo Sol 2021-09-13
Imagem de : Shamsia Hassani
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NOTA: Ommolbahni Hassani, mais conhecida como Shamsia) é uma grafiteira afegã e professora de escultura na Universidade de Kabul. Ela tem popularizado a arte urbana nas ruas de Kabul, Shamsia expõe a sua arte digital e a sua arte urbana na Ìndua, Irão, Alemanha, Itália, Suiça, e nas missões diplomáticas de Kabul. Em 2014, foi um dos nomeados no 100 Public Intellectual Pol

Hassani pinta grafitis em Kabul para sensibilizar o público a respeito dos anos de guerra.

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terça-feira, 7 de setembro de 2021

Contemplação

  Ver a natureza e a margem do rio,
era só o que eu pretendia,
e com sorte pelo cair da tarde,
os pássaros apareceriam para entoar as suas cantigas.

Recordo a transparência das águas,
em que imaginava ler o teu nome,
e a minha boca soletrava,
letra a letra como se entoasse uma canção.
Por vezes a inevitabilidade da realidade,
era melancólica e a tua ausência,
fazia com que eu inventasse um oásis,
onde para mim tudo era  um deserto estéril.

Nesse meu mundo,
que só eu compreendia,
por vezes veracidade,
e tantas outras apenas fantasia.

© Piedade Araújo Sol 2021-08-30
Imagem : Magdalena Russocka

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