Requiem æternam dona eis, Domine

Jeremy Lipking

Que interesse tem
Saber-se quem sou
Eu que não sou ninguém
No lugar para onde vou?
hajota

A vida deixou as marcas, no rosto
agora coberto por um véu de tule
ou organza, tanto faz
os olhos claros, mortiços deixam antever
ainda réstias
de uma beleza que feneceu
uma espécie de névoa entenebrece o dia quente de Junho
a paisagem lúgubre é apenas uma espécie de uma tela
lembrando o impressionismo 
de um qualquer pintor desconhecido.

Acabou tudo!

E regressamos ao lugar que consideramos ainda nosso
hoje
amanhã não sabemos.

Tu regressaste ao limbo de onde viemos todos

e para onde iremos nas asas de um qualquer momento.

Adeus e tudo acabou!

©Piedade Araújo Sol 2014-06-23

a tela nua

Pier Toffoletti
"E o tempo é a demora do olhar sobre a tela nua"
Manuel Veiga

em pose com o silêncio em todo o corpo
apenas um incêndio no olhar
conjeturando
a demora anunciada do pincel
em espirais de cores sobre a tela
antes nua,

apenas tela

e o olhar em desvario de
pinceladas coloridas
esvoaçando num adejar de
um suspiro imperfectível
apenas repercussão,

apenas olhar

e agora, o pintor olha a sua obra
e não consegue compreender

que cores são aquelas
que incendeiam a tela
que está inundada
numa pose inteira e afinal,

apenas nua.

©Piedade Araújo Sol 2014-06-18

é de azul o dia

Svetlana _Belyaeva

é que me dói o que dizes
quando falas em cicatrizes
Rogerio G. V. Pereira

adormeci e faltei à chegada
quando chamaram o meu nome
não estava presente.

é de azul o dia
e as mulheres vestem-se de sol
como se fosse agosto e não existisse outra estação.

não me perguntes nada, acerca
desta tatuagem que exibo na perna esquerda
com higrófilos que eu não compreendo
e que o futuro traçou.

é de azul todo o dia e quando finalizar
não haverá noite, mas apenas azuis
nos olhos dos velhos da aldeia

é de silêncio os trilhos que me enxotam
para a extinção desta cicatriz que encubro
detrás dos acertos que ainda não fiz.

é de azul o dia, e deixa-me preparar o voo
em completa liberdade e
uma vez mais acompanhar os pássaros rebeldes como eu.

©Piedade Araújo Sol 2014-06-15

Tenho saudade

mynnerlands

Tenho saudade de tanta coisa,
que nem ouso cogitar no hoje, que me isola,
e me traz memórias em cicatrizes,
dessa saudade.

É um estar sem estar,
empoleirada em precipícios de cores,
cegas, que ofuscadas (ainda) moram em mim,
e entrelaço e desfaço,
nós cegos,
inteiros e devaneados,
num pedaço de quimera,
que ainda e sempre me habita.

©Piedade Araújo Sol 2014-06-09

Por vezes

Rosie Hardy

Por vezes - muitas - as palavras faltam-me
Não porque fujam, somente não se entrelaçam com o meu EU
Hoje penso que devia estender as palavras para ti
Como se elas fossem uma passadeira vermelha da urgência
Que te mostrasse o rumo certo
Mas
Sei que recorrerei a uma máscara e que direi apenas
As palavras que tu queres ouvir e não as que me faltam
Sei que falarei de fases
De caminhos - de (in)decisões
Etapas desejadas
As mais certas, nunca as mais fáceis
E se um dia me acusares de fantasias
Eu nunca direi, em legítima defesa, que as palavras são armas de
arremesso
Nem sempre verdadeiras, mas as únicas que eu sei e posso usar
E se este chão que piso não é o teu nem o meu
Que seja nosso
Enquanto assim a máscara resistir
E não cair na cobardia da angústia que entranhada mora em nós

©Piedade Araújo Sol 2014-06-02