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Fecho os olhos e lembro-me que me dizias muitas vezes, que eu parecia um bicho-do-mato.
Sim, em parte terias razão, mas digo, só em parte.
Que sabias tu de mim? Dos meus medos, dos traumas da minha infância que ainda hoje e sempre carrego comigo, do bullying na Escola Básica, mais tarde no trabalho e outros segredos meus, de que nunca falei a ninguém.
A minha infância com os meus cabelos desatados sobre um corpo magricela que era mais ossos que outra coisa.
No princípio ficava incomodada mas, quando no silêncio do meu quarto caiado a cal branca, pensava em ti, e nas tuas palavras, as outras que me dizias. Então eu deixava que os sonhos desmaiassem em mim, como pétalas de flores coloridas e perfumadas.
Depois de tanto tempo, ainda fecho os olhos e imagino-te. Por vezes sinto a minha mão sobre a tua, e o teu cheiro que ficou entranhado no meu corpo para sempre.
Sei que são apenas as boas memórias que eu quero recordar com toque de algodão, aromas de mar, e a tua boca com sabor a mirtilos.
Nós. Há muito tempo!
Sentados na esplanada da praia. Quando tu falavas dos barcos eu dizia sempre:
- Eu gosto do mar! Gosto de barcos lembra-me o meu pai.
Sabes, ainda sou bicho-do-mato, ainda tenho os mesmos amigos de há vinte anos, ainda ando com o cabelo desatado, e os meus segredos, serão sempre só meus, órfãos de pai e mãe, alguns em forma de sonhos outros em pesadelos, que ainda me visitem durante a noite cheia de sobressaltos com o corpo em completo alvoroço, e com um gosto amargo na boca.
Tu não sabes, mas além de ser um bicho de mato, eu sempre tive medo do escuro.
Ah! E ainda durmo com uma luz de presença.
Isso também não é proeminente.
A saudade talvez seja, mas é uma saudade boa que ainda e sempre guardo de ti…
© Piedade Araújo Sol 2021-02-08