Chamo por mim e não me oiço
Em memória de H.D.
Chamo por mim e não me oiço, já não tenho voz audível.
Imóvel, deitada sobre o silêncio da noite e da casa, tacteio no fundo das trevas e já não sinto nada.
Antes eu tinha sempre no côncavo das minhas mãos um sonho encoberto, para salvaguarda de quando já nada tivesse para sonhar, mas hoje as minhas mãos estão vazias, desapossadas de tudo, até de mim, apenas sou a sombra da outra eu que já não existe.
E, nas árvores, os frutos amadureceram e caíram desperdiçados no chão, da seca, da água que não caiu no inverno.
Imóvel, olho as colinas do silêncio enlaçado em nevoeiro como fiapos estilhaçados.
Ainda me resta a ternura branca e fina do vestido de organza suspenso no cabide do guarda memórias de mim – da outra eu – de outros tempos.
E, imóvel, vou amedrontada no nevoeiro que se entranha nas casas habitadas – poucas - do povoado....
Na ermida abandonada os sinos já tocam a rebate... mas não os oiço, tal como não me oiço a mim.
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Foto: absentia