TJ Scott
Deslizo
o meu corpo sobre a tua cama deserta ainda desfeita. Revivo-te nos lençóis com
as marcas do teu corpo e com o teu cheiro a plantas silvestres.
Durmo
na tua cama, nestas águas furtadas que com tanto esforço vais pagando a mensalidade.
Magoa-me o dividirmos as contas quando vamos jantar, tu a escolher sempre o
prato mais acessível da carta e eu deixar-te pagar a tua parte. Porque se
pagasse tudo irias pressentir de algo que eu não quero que saibas.
Não
sabes quem sou, talvez nunca venhas a saber quem sou eu na realidade.
Não sabes
nada de mim. Nada vezes nada, resumido a nada. Mas talvez adivinhes o ilícito
do corpo que trago impotente nos olhos, talvez que o teu instinto de mulher não
queira questionar os silêncios inconfessáveis que me devoram a alma.
Foi
essa a minha condição. Nada de perguntas!
Estou
cansado! Tão cansado de tudo! De andar de viagem em viagem, de não saber quando
é a próxima etapa. De partir com medo que um dia quando volte já não estejas
aqui à minha espera.
Amanhã
resolvo isto, digo sempre de mim para mim. Amanhã! Amanhã! E amanhã pode ser
tarde. Demasiado tarde para mim e para ti e para os sonhos que desenhei além de
ti e de mim.
Tu
ris, dizes que gostas de rir e assim sentes-te bem. E por vezes o teu riso é um
esgar para enganar o que sentes, quando me vês pegar na mala azul com rodinhas
e seguir para o aeroporto. Mas sabes, eu sei que mentes. Mentes como eu também
minto a mim próprio a ti e a tudo o que me rodeia.
Mentes
sempre, pois no outro dia quando voltei para trás porque o voo tinha sido
cancelado, encontrei-te deitada sobre a cama, onde agora estou. Estavas deitada
na posição fetal e voltada para o postigo, por onde uma réstia de luz mal te
distinguia. Choravas baixinho. Disfarçaste e alegaste estar constipada.
Tens
medo de assumir o que temos e nem sei se temos alguma coisa, sei apenas que
delimitei um prazo. Reformo-me “disto” aos quarenta anos e vou viver contigo de
país em país. Talvez me refugie numa ilha junto ao mar e compre um barco onde
possa viver contigo.
Talvez
não tenhas mais que andar a fazer poupanças para pagar a renda destas águas
furtadas e faças aquilo que gostas. Continuares a pintar o teu mar de verde e o
céu de azul. Talvez eu não tenha que andar mais de aeroporto em aeroporto com a
mala azul de rodinhas atrás de mim, sempre receoso do tiro que me persegue nos
sonhos.
Nem
sabes meu nome, pelo menos o que está nos documentos verdadeiros. Mas será esse
que passarei a usar. Assim tentarei esquecer este que uso agora e esquecerei
quem fui.
Sinto
os olhos cansados, tão cansados, as pálpebras parecem-me de chumbo, quero
abri-los e nem consigo.
Está
decidido, amanhã resolvo isto....
(Obs:Este texto é pura ficção, qualquer semelhança com
factos reais será mera coincidência)
©Piedade
Araújo Sol 08-10-2007
(Reeditado)