Maurice De Vries
"Ela não se surpreendeu quando ele a beijou, e os lábios dele tinham o sabor a mirtilos".
© Piedade Araújo Sol
Ou então seria ela que gostava tanto de mirtilos e havia desejado tanto os lábios dele.
Quando os lábios dele chegaram ela já não os esperava. O verão havia feito a sua despedida tímida.
A normalidade instalara-se na sua vida demasiado normal. E tudo avançava acanhadamente: o tempo, ela e a vida.
Ele chegou numa manhã de domingo.
De um domingo particularmente sombrio. A campainha soou numa só toada. E ela estremecer. Ela estremecia poucas vezes. Era uma mulher segura. Mas sim, o seu corpo parou. E os sinais de alarme, internos, que ela tão bem reconhecia, apareceram, jocosos e repentinos, atirando-a para um estado de alerta e perturbações iminente.
Abriu a porta com um vagar propositado. As palavras aos tropeções no coração, o coração embrulhado na barriga, o sangue doido a correr nas autoestradas das veias.
Ele estava lá, atrás da porta. E ela estava lá, diante dele. Os olhos dele conversaram muito tempo. As palavras formaram uma fila ordeira. O sangue sossegou.
Ele não disse nada. Ele não era de dizer muita coisa. Avançou um passo, enlaçou-a pela cintura e deu-lhe um beijo.
Um beijo com sabor a mirtilos.
Um beijo atrasado,
Mas um beijo que ela esperou a vida inteira."
O texto é da Laura Ferreira, e faz parte de um desafio em que eu apenas dei mote.