Não sei quando
Não sei quando nem como surgiste na minha vida.
Ou talvez o saiba, sem o saber ou por não o querer saber para não o relembrar.
Mas aconteceste, assim como que do nada, e entraste na minha vida sem sequer te fazeres anunciado. Eu não esperava e, por isso, ainda hoje me surpreendo. Trouxeste-me enternecimento e aconchego a um coração entorpecido, mas também trouxeste a raiva disfarçada em palavras, por vezes em silêncios indisfarçáveis. Trouxeste o medo. O desejo. Os segredos. E eu nunca soube lidar com tudo isso nem gerir os sentimentos antagónicos que me assolavam.
E um dia, tal como chegaste, saíste. Sem aviso, sem despedidas e sem palavras, apenas e só silêncios.
A partir daí, todos os dias passaram a ser nebulosos. O medo ganhou formas desproporcionadas e fiquei a desfolhar os dias como se fossem contas de um rosário que nunca tive.
Apetecia-me dizer-te que não sabia nem queria gerir este caos que me assolava, mas tu já não estavas.
No meu quarto, eu revia e inventava palavras e mais palavras, máculas caindo no chão, na porta cerrada, no telefone desligado.
E sei que lá fora existem casas e luzes. E, ao descer a rua, sei que existem os barcos parados na praia. Mesmo sem o querer, é sempre para lá que vou, muito embora nem a maresia perceba este caos que ainda não dissolvi em mim.
© Piedade Araújo Sol 2012-05-29