À memória do meu pai
percorro os barcos do silêncio.
em Janeiro te perdi. em lugares de pedra te deixei. eu sei que não regressas mais.
a vila ainda tem o cais que guarda estórias de água, de segredos espalhados no solarengo decorrer dos dias.
as mulheres cujos rostos denunciavam mágoas escondidas já não usam xales de cores pretas.
passou – já - tanto tempo. que é apenas uma parte que ficou guardado nas memórias de mim.
relembro a força da dor. o tempo comprime-se e foi ontem que passaste a proteger-me incorpóreo.
foi tão forte essa dor. ficou aprisionada e ainda hoje a sinto igual. e assim sempre será no dia um do mês de Janeiro de todos os anos que hão de vir.
é certo que o teu corpo foi embora. mas o teu sorriso e a tua gargalhada ficaram a ecoar no mar. e em mim.
as lágrimas insistem em cair neste tempo certo ou incerto de mim.
a casa na praia já não existe e não faz parte da rua dos barcos o teu nome.
só resta esta saudade que não sara – que não deixo - nos meus barcos do silêncio.
© Piedade Araújo Sol 2012-01-02
foto:maszu