Carta de mim para mim a pensar em ti
Gosto de me embriagar serenamente com a maresia salina que a brisa se encarrega de trazer, salpicando os meus longos cabelos queimados pelo verão, rebeldes como tu e louros como seara de trigo maduro ondulada pelo vento.
Aprendi que posso conceber um mundo só meu, onde, por ser tão fantástico e impenetrável, ninguém a ele tem acesso a não ser eu.
Sabes, é por isso que por vezes gosto de me calar e, quando me chamas ostra, finjo que não ouço e encolho-me ainda mais na minha concha. Há muito que adopto esta estratégia de defesa, como se eu fosse autista, porque, não te ouvindo, fujo das palavras que poderias pronunciar e que talvez me magoassem.
Nunca poderás compreender os meus silêncios, nem eu quero que os entendas. Não vale a pena…! Eu sou um caso perdido, qual ovelha tresmalhada que se perdeu do rebanho. Por isso, talvez nunca me encontres…!
Mas gosto de ser assim. Gosto de me sentar ao fim do dia no extremo do pontão da “minha” praia e olhar ao longe as luzes que resplandecem sobre Almada. E ficar assim como que protegida na outra margem.
É como se estivesse escudada ou ficasse dissolvida na miríade dos focos de luz que cintilam, disfarces que por vezes me fazem sentir uma intrusa na pele esverdeada de uma alienígena em terra de luzes estranhas.
É por tanta coisa, que por ser ostra nem me afoito escrever, que preciso destes momentos só meus no declínio intimista da tarde. Para me transformar numa ilha longe de todas as searas sem ninguém a desvendar o trigo dos meus pensamentos. Para me embriagar fácilmente no horizonte esbatido da maresia salina, para ser eu até onde os meus olhos alcancem, abrindo janelas serenas que eu preciso de sentir no meu peito…
©Piedade Araújo Sol 2007/11/29