Música para piano

Não sei ainda se é uma canção
Mas a inspiração
Carrega comigo na memória
A letra ainda sem pauta
Que voa como uma gaivota 
Sobre o céu ao entardecer

Tem sons de música
Asas de anjos ocultos
Que falam de mar e aromas
E dos silêncios que se alteram
Em palavra doces e melodiosas
Para resguardar o medo do próprio medo

E à noite em silêncio
Sei que junto ao mar oiço
O seu eco em meu delírio
Mesmo que a brisa roce os meus cabelos
E minha boca  sem saber cantar
Entoe baixinho e desafinada

Acho que são os teus dedos ágeis
Dedilhando as teclas do piano
Que ecoam nesta e nas noites
Que ainda faltam nascer
E renascer em nós
E no mundo inteiro

Eu vou, deixo apenas a letra da música …

 ©Piedade Araújo Sol 2020-04-26

Imagem :Ilya Kisaradov

Súplica

Deixa-me dividir contigo metade do meu sonho
Para que em ti descubra a outra metade
 Dar-te-ei as minhas mãos e o meu ombro
É só isso que me resta

Deixa-me pincelar a vida em matizes
Serenas e suaves que não existem
Mas que juntando umas com outras
Se transformem em cores incógnitas

Deixa-me franquear a porta
E que a calçada sinta meus pés nus
E que meus passos insolentes
Sejam apenas e só liberdade

 ©Piedade Araújo Sol 2020-04-19

Imagem : Ruslan Bolgov

Existe um Farol

Estou aquém, sou fragmento de existência

Com o olhar preso nesse fim de pesadelo
Que engendro luz, em dias violentos
E quando espreito a noite
Sei que caminhos se cruzam
E descruzam no destino
Que balançamos na rota
E que o rumo das palavras
Nem sempre nos trazem, ou levam ternuras,
afectos, ou bonança.

Velejo em mar alvoroçado
Em que a força do vento
Atropela os sentidos e
Faz que a luta seja infrutífera
E quase, quase amaldiçoada
E as palavras engasgadas
Agitam-se loucas
No fundo da faringe
Mas vamos, com medo é certo
Mas com esperança, porque embora afastado
Existe um farol
Que nos guiará a porto seguro.

E uma revoada de pássaros surgirá
E entoará uma sinfonia que nunca foi cantada

 ©Piedade Araújo Sol 2020-04-13
Imagem: Ruslan Bolgov

Lembranças

Por vezes
calo-me no silêncio da noite
e abraço tranquila
as minhas recordações
como pérolas ocultas, em tempos idos.

As memórias ressuscitam
em fragmentos de mel e fel
o silêncio rasga-me
as mágoas que  eu enérgica
escorraço para o vácuo
e se dissipam devagar.

eu, apenas deixo emergir
como sílabas indizíveis
os momentos que eternizados
no meu tempo são flocos pintados
de venturas e ternuras idas.

e  ao alvorecer
um bando de pássaros acorda-me
do meu torpor e eu respiro
o bálsamo das gardénias
que a  mãe tinha na casa grande.

 ©Piedade Araújo Sol 2020-04-06
Imagem: Ruslan Bolgov