terça-feira, 8 de setembro de 2020

O grito


Grito com a boca cerrada
e os punhos contraídos.

Mas meu grito não sai
extinguiu-se, e minha voz se perde
no eco das montanhas
confunde-se com as nuvens
que embirram em cobrir o céu.

Debato-me e imploro
Não quero
Não sou
Não estou

e engano-me
vou por onde não quero
pois nunca terei audácia
para ir por onde quero

Esta não sou eu,
é a outra.

E o grito sai trespassando a noite
que se enrodilha comigo
e em tudo o que existe
sem existir

e onde eu a outra

sem sentir
abraça o vácuo
da encenação
©Piedade Araújo Sol 2005-09-04
Imagem : Victor Hamke

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17 Comentários:

Blogger brancas nuvens negras disse...

Um bom poema que, julgo, deixa transparecer que se perdeu o caminho.
Bom Dia.

terça-feira, 08 setembro, 2020  
Blogger " R y k @ r d o " disse...

Poema magistral ilustrado por uma imagem fascinante
.
Cumprimentos

terça-feira, 08 setembro, 2020  
Blogger Agostinho disse...

O poema ecoa no labirinto branco
da folha ou da mente.
Depende da vazante ou da enchente
(da maré da lua ou da lua da maré).
Não importa ou será crucial a assepsia
das mãos, da mente.
Em forma de grito o eu presente
inaudível cresce e desaparece
porque a outra se sobrepõe,
sub-repticiamente ou à bruta.
E a outra, e a outra, e...
sequência demolidora do eu
da identidade e da vontade.
Imprescutável fica a original alma!
Quem sou eu afinal?

Gostei, porque pulsa.

Beijo, querida Piedade.

terça-feira, 08 setembro, 2020  
Blogger José Carlos Sant Anna disse...

Belo poema, Piedade. O que queremos dizer, às vezes, é tão alto, que não conseguimos soletrar todas as letras. Nos debatemos; gritamos. E seguimos encenando... sem sabermos, na maioria das vezes, quem somos...
Um boa semana!

terça-feira, 08 setembro, 2020  
Blogger Marta Vinhais disse...

As perguntas que ficam na mente e que "empurramos" para o lado...
Lindo...
Beijos e abraços
Marta

terça-feira, 08 setembro, 2020  
Blogger Fá menor disse...

Muito belo!
Quantas vezes não somos o que não queremos ser, e não vamos por onde nunca quereríamos ir?!

Beijinhos.

terça-feira, 08 setembro, 2020  
Blogger Roselia Bezerra disse...

vou por onde não quero
pois nunca terei audácia
para ir por onde quero...

Olá, querida amiga Piedade!
Precisamos ser audaciosas no bom sentido da palavra... Faz muito bem ao ��.
Tenha dias abençoados!
Bjm carinhoso e fraterno

terça-feira, 08 setembro, 2020  
Blogger Rogério G.V. Pereira disse...

RÉPLICA

Grito com a boca escancarada
e com os punhos erguidos

E meu grito sai
projetando-se, minha voz propaga-se
ecoando nas montanhas
dissolvendo as nuvens
descobrindo o céu, que se fez de azul

Debato-me e exijo
Não querer
Não ser
Não estar

pois me afirmo
ir para onde quero
pois sempre terei a determinação
de escolher o meu caminho

Este sou eu
e nunca serei outro

E o grito sai disparado trespassando a noite
que me abraça com a mesma ternura
com que me sorri a lua

e onde eu, eu mesmo

sentindo-me abraçando o Mundo
antes do cair do pano onde um dia
a encenação terá um fim, assim

_____________

Desculpe Sol, não resisti! Mas sempre perante um poema belo, eu não fico quieto...


terça-feira, 08 setembro, 2020  
Blogger Valdelice Nunes disse...

Uma cala a vontade da outra.
Tantas vezes temos a sensação de ter outra em nós, segurando gritos. Silenciando desejos,invadindo nossas vontades.
Xeru

quarta-feira, 09 setembro, 2020  
Blogger Cidália Ferreira disse...

Poema tão bonito!! Parabéns!
-
Sonhava ser ...
-
Beijos, e um excelente dia

quarta-feira, 09 setembro, 2020  
Blogger Manuel Veiga disse...

poema maior. de recorte "modernista", na cisão da Poeta entre o "Eu e o Outro/a"

gostei muito, Piedade!

Beijo

quarta-feira, 09 setembro, 2020  
Blogger MARILENE disse...

Dois cantos, uma vontade, um único ser. A ousadia e o temor em uma luta sem vencedor.
Aplaudo você, como sempre. Bjs.

quinta-feira, 10 setembro, 2020  
Blogger Jaime Portela disse...

Há gritos assim.
E poemas que encantam o leitor.
Gostei muito.
Bom fim de semana, querida amiga Piedade.
Beijo.

sexta-feira, 11 setembro, 2020  
Blogger Maria João Brito de Sousa disse...

Belíssimo grito, Piedade!

Forte abraço!

domingo, 13 setembro, 2020  
Blogger Ailime disse...

Boa tarde Piedade,
Um poema belo e profundo!
Tantas vezes os gritos abafados se confundem no nosso eu não nos deixando ser quem somos.
Um beijinho e continuação de uma boa tarde domingo.
Ailime

domingo, 13 setembro, 2020  
Blogger Graça Pires disse...

às vezes cada instante é a metamorfose de uma asfixia interior. Por isso cada palavra tem o som de um grito.
Uma boa semana com muita saúde, minha Amiga Piedade.
Um beijo.

segunda-feira, 14 setembro, 2020  
Blogger LuísM Castanheira disse...

Confesso que não gosto de gritos nem ao vivo, nem pintados (Munch), mas os gritos
estrangulados são os que doem, a mim, mais.
Por isso, gritar, nem que seja com o outro "eu",
talvez seja uma grande libertação (se não for encenação). Nunca experimentei.
O Poema levou-me a uma "visão" muito própria, que não deve estar no seu espírito.
A Poeta que me perdoe, pela liberdade da opinião.
Quem sabe o que vai na alma de quem escreve um poema tão denso, como belo?
Um beijo,Pi

segunda-feira, 14 setembro, 2020  

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