terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Chamam-me bicho do mato

 


Chamam-me bicho-do-mato
Inspirado Aqui : https://brancasnuvensnegras.blogspot.com.


Fecho os olhos e lembro-me que me dizias muitas vezes, que eu parecia um bicho-do-mato.
Sim, em parte terias razão, mas digo, só em parte.
Que sabias tu de mim? Dos meus medos, dos traumas da minha infância que ainda hoje e sempre carrego comigo, do bullying na Escola Básica, mais tarde no trabalho e outros segredos meus, de que nunca falei a ninguém.
A minha infância com os meus cabelos desatados sobre um corpo magricela que era mais ossos que outra coisa.
No princípio ficava incomodada mas, quando no silêncio do meu quarto caiado a cal branca, pensava em ti, e nas tuas palavras, as outras que me dizias. Então eu deixava que os sonhos desmaiassem em mim, como pétalas de flores coloridas e perfumadas.
Depois de tanto tempo, ainda fecho os olhos e imagino-te. Por vezes sinto a minha mão sobre a tua, e o teu cheiro que ficou entranhado no meu corpo para sempre.
Sei que são apenas as boas memórias que eu quero recordar com toque de algodão, aromas de mar, e a tua boca com sabor a mirtilos.
Nós. Há muito tempo!
Sentados na esplanada da praia. Quando tu falavas dos barcos eu dizia sempre:
- Eu gosto do mar! Gosto de barcos lembra-me o meu pai.
Sabes, ainda sou bicho-do-mato, ainda tenho os mesmos amigos de há vinte anos, ainda ando com o cabelo desatado, e os meus segredos, serão sempre só meus, órfãos de pai e mãe, alguns em forma de sonhos outros em pesadelos, que ainda me visitem durante a noite cheia de sobressaltos com o corpo em completo alvoroço, e com um gosto amargo na boca.
Tu não sabes, mas além de ser um bicho de mato, eu sempre tive medo do escuro.
Ah! E ainda durmo com uma luz de presença.
Isso também não é proeminente.
A saudade talvez seja, mas é uma saudade boa que ainda e sempre guardo de ti…

© Piedade Araújo Sol 2021-02-08
Imagem Rishka 

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20 Comentários:

Blogger brancas nuvens negras disse...

Gostei muito deste texto, desta confissão e como compreendo o que escreveu porque, também de mim, ainda hoje, dizem que sou bicho-do-mato.
Bonito. Um abraço.

terça-feira, 16 fevereiro, 2021  
Blogger Rogério G.V. Pereira disse...

Sabes?
Por vezes queria, gostava, ser bicho do mato
Dar-me-ia mais defesas, mais descanso
Contudo, não consigo pois sempre reajo
Por exemplo. Ao primeiro impulso,
apetece pegar no teu texto
ir declamá-lo por tudo o que é lado

Te deixo, um doce abraço

terça-feira, 16 fevereiro, 2021  
Blogger Toninho disse...

Muito lindo este repassar a vida, com todas as suas sequelas e mazelas, mas que guarda coisas e momentos bons, que eternizam e que aconchegam em noites fundas e frias onde o medo ainda impera, mas que não se desespera sob uma tênue luz acesa num canto do quarto.
Linda inspiração no bicho do mato, que de bicho não tinha nada.
Uma boa semana com todos os cuidados.
Beijo e paz Piedade.

terça-feira, 16 fevereiro, 2021  
Blogger Ailime disse...

Bom dia Piedade,
Um texto muito belo e bem escrito que me remeteu ao fundo da minha alma.
Beijinhos e ótimo dia.
Ailime

terça-feira, 16 fevereiro, 2021  
Blogger Marta Vinhais disse...

Também dizem o mesmo de mim...
Mas há dias em que o Sol é só nosso e pintamos o dia com cores novas...
Nem todos veem … nem todos compreendem...mas é um segredo fascinante...
Gostei muito...
Beijos e abraços
Marta

terça-feira, 16 fevereiro, 2021  
Blogger Maria João disse...

Bom dia, Piedade :)

O bicho do mato que sou saúda o bicho do mato que é,
faz-lhe uma vénia, sorri e dá-lhe as boas vindas a este mato onde, quando se está sozinho, nunca se está só.

Beijinho.

Mª João Brito de Sousa

terça-feira, 16 fevereiro, 2021  
Blogger Cidália Ferreira disse...

Uma prosa poética muito bonita! Adorei :))
-
Vagueiam sonhos da minha ilusão
-
Beijo e um bom dia (de carnaval, em casa)!

terça-feira, 16 fevereiro, 2021  
Blogger MARILENE disse...

Piedade, vesti seu texto sem tirar as medidas e me coube perfeitamente. Fui e talvez ainda seja bicho do mato. Assim me chamavam quando, na "cidade grande", comportava-me como a menina do interior, bem magra e fugidia.
Sua postagem ficou encantadora, com esse acordar lembranças, desnudando vida e cantando uma saudade terna. Grande beijo!

terça-feira, 16 fevereiro, 2021  
Blogger Agostinho disse...

Gosto do que li. Trataste um assunto delicado, que perturba muita gente, muitas vezes desde tenra idade. De forma bilhante.
Mas bichos somos todos, podes crer. Aqueles que chamam ao outro na sua expansiva expressão arrogante "Bicho-do-Mato!" ainda o são mais: são bichos-de-conta a enrolarem-se sobre si, fechando-se numa carapaça de egoísmo.
Beijo.

terça-feira, 16 fevereiro, 2021  
Blogger José Carlos Sant Anna disse...

Saudades é uma palavra boa, doce. Tem cheiro de relva. De terra molhada. Saudades se tem quando se tem boas lembranças. E boas lembranças completam o que faltou e quando elas chegam a chamamos de camaradas a depender do caminho que fizeram para chegar a nós.
Um belo texto, este bicho do mato!
Um abraço, Piedade!

terça-feira, 16 fevereiro, 2021  
Blogger Porventura escrevo disse...

A introspecao é sempre uma fuga de nós mesmos.
Resta saber até onde😉
Gostei

terça-feira, 16 fevereiro, 2021  
Blogger teresadias disse...

Magnífico, magnífico texto!
Aceitarmo-nos como somos e compartilhar segredos exige muita coragem, mas traz serenidade.
Beijo.

quarta-feira, 17 fevereiro, 2021  
Blogger Fê blue bird disse...

Piedade, esse teu desnudar de emoções, e a tua coragem para os descreveres desta forma, comoveu-me profundamente.
"Os bichos do mato" vivem num mundo aparte e desenvolvem aptidões únicas para se defenderem da realidade.
Poesia, música, pintura, são as (nossas) realidades.
Uns destacam-se, o que é o teu caso, outros vão tentando...

Um beijinho


quarta-feira, 17 fevereiro, 2021  
Blogger Elvira Carvalho disse...

Que texto tão bonito, Piedade. Mais do que bonito, emocionante.
Abraço e saúde

quinta-feira, 18 fevereiro, 2021  
Blogger Jaime Portela disse...

Um texto magnífico, gostei imenso.
Bom fim de semana, querida amiga Piedade.
Beijo.

sexta-feira, 19 fevereiro, 2021  
Blogger Mar Arável disse...

Haja quem cante mesmo em silêncio

sexta-feira, 19 fevereiro, 2021  
Blogger Ana Tapadas disse...

Piedade,
que belo texto, tecido de pura sensibilidade!

É bom ser-se aquilo que se foi, embora na memória de uma ausência.

Beijinho

sexta-feira, 19 fevereiro, 2021  
Blogger AC disse...

Muitas são as linhas com que tecemos a nossa vida. As cores e as formas podem variar, mas há sempre algo que temos em comum: a vontade de ser, a vontade de amar e ser amado(a), a vontade da plenitude...
Sensibilizou-me, Piedade.

Um beijinho :)

sábado, 20 fevereiro, 2021  
Blogger Margarida Pires disse...

Eu sou o contrário tão revolta como as ondas do mar.
E sempre sincera demais, sem levar desaforos para casa, contudo também com um lado muito sensível e humano.
Com muito segredos para contar.
Guardados no baú do tempo.
Quanto à luz, quando sozinha sou adepta.
Beijinho no coração, Piedade!
Megy Maia☔💮☔



sábado, 20 fevereiro, 2021  
Blogger Graça Pires disse...

Que texto, minha Amiga Piedade! Sabe que me identifiquei com ele? Só agora não me sinto bicho do mato porque acho que "engoli" o mato todo...
Cuide-se bem.
Uma boa semana.
Um beijo.

segunda-feira, 22 fevereiro, 2021  

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