Partidas
Anna O. photography
Ela estava sentada, imóvel, com um olhar amedrontado como
quem está esperando coisa nenhuma. Olhava apenas o que outrora fora um cais,
com barcos que já não existiam.
Por vezes a memória é um abismo que se desvanece, nas
constelações e nas escamas rebeldes dos peixes, no aquário.
Quando se levantou, levava as mãos fora dos bolsos do
vestido, e carregava um braçado de flores silvestres, nos braços esguios.
Com um gesto resoluto despenhou as flores nos abismos do
mar, e quase que eu jurava ter visto espelhos de água, líquenes e rochas
calcárias a absorverem as flores como uma dádiva dos céus.
A partir desse dia ela atravessava a cidade pela tarde,
ainda com o sol no olhar.
Ia sempre com muita pressa como se algo a impelisse, no passo
estugado, no acaso do destino.
As mãos iam sempre
dentro dos bolsos do vestido comprido até aos pés, mas, que lhe deixava a
descoberto umas sandálias de pele nos pés pequenos.
Desapareceu em Outubro num dia de chuva, talvez misturada
com as águas em vertigem em correria para desaguar nalguma foz.
Disseram que talvez fosse de outro
País, e eu pensava que seria uma flor a renascer no princípio do abismo, em que
parecia se encontrar.
© Piedade Araújo Sol 2016-11-01
22 Comentários:
Lindíssimo.
Um abraço e bom feriado
Fantástico, Piedade! Que é uma forma de dizer que gostei muito, muito.
Beijinhos
:)
Mas quem sabe não volta... Quando menos se espera... Ainda com o Sol no olhar, confiante no Mundo...
Lindo...
Beijos e abraços
Marta
Deliciosa história de encantar
Da flor que queria (a)mar.
Um dia radioso, Sol.
Parabéns. Excelente texto!
Beijo
http://coisasdeumavida172.blogspot.pt/
Excelente imagen muy apropiada para la conmemoración de estos días. Textos e imagen hace un buen complemento.
Besos
Olá Piedade.
Gostei muito de sua crônica, tão próxima do conto, ou então de prosa poética. Um texto muito bem escrito. Parabéns.
Abraço, Pedro.
Uma sedutora no seu caminhar!
Bj e gostei
Maravilhoso, Piedade. Este texto é de uma estética fantástica. Que mais acrescentar?
Um beijo.
Muito bonito, muito bem escrito e com um suave e belo mistério.
Beijinhos
A Rita tem toda a razão, é bonito, suave, misterioso...
abraço Piedade
Uma das melhores coisas que já li por aqui. Reflexiva, suave, instigante. Melancólica. Beijos, Sol
Talvez eu possa defini-lo como limiar, pois está nos limites, como um pêndulo. E vem à tona e submerge. No fundo é um texto de uma beleza ímpar.
Beijo, poeta admirada!
Desapareceu cumprindo um ritual que tanto significado teria para ela...
E o mar... decidiu acolher em sua casa... quem lhe deixaria tantas ofertas...
Muito belo, Piedade!!!!
Para ler e reler...
Beijinho! Bom fim de semana!
Ana
Um rio assim só pode ser água de beber
Excelente
Tua mensagem
Inesperada
Minha quieta alegria.
Desejo-lhe também um domingo repousante!
Beijos, Piedade@
Algum dia nos confundiremos com a paisagem...
Beijinhos
Como já comentei este belo texto, desejo uma boa semana
Um abraço
OLÁ PIEDADE
Lindissimo o seu texto.Voltando para o meu blog depois de algum tempo afastada. Visitando as pessoas tão queridas. Uma semana de benção para vc.
Um texto obra de arte, uma prosa
poética encantadora, ímpar de
beleza e inspiração!...
Adorei, querida Piedade!!
beijinhos.
E dizem que o doloroso da despedida é justamente esta incerteza da volta.
Mas se ela voltar o Sol se abre e os olhos brilham em cores como um por do sol.
Bjs
abriu-se ao olhar um texto poético ímpar...
era mesmo uma flor e "juro" que a vi em um qualquer cais da alma.
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