terça-feira, 1 de novembro de 2016

Partidas

Anna O. photography

Ela estava sentada, imóvel, com um olhar amedrontado como quem está esperando coisa nenhuma. Olhava apenas o que outrora fora um cais, com barcos que já não existiam.
Por vezes a memória é um abismo que se desvanece, nas constelações e nas escamas rebeldes dos peixes, no aquário.
Quando se levantou, levava as mãos fora dos bolsos do vestido, e carregava um braçado de flores silvestres, nos braços esguios.
Com um gesto resoluto despenhou as flores nos abismos do mar, e quase que eu jurava ter visto espelhos de água, líquenes e rochas calcárias a absorverem as flores como uma dádiva dos céus.
A partir desse dia ela atravessava a cidade pela tarde, ainda com o sol no olhar.
Ia sempre com muita pressa como se algo a impelisse, no passo estugado, no acaso do destino.
 As mãos iam sempre dentro dos bolsos do vestido comprido até aos pés, mas, que lhe deixava a descoberto umas sandálias de pele nos pés pequenos.
Desapareceu em Outubro num dia de chuva, talvez misturada com as águas em vertigem em correria para desaguar nalguma foz.
Disseram que talvez fosse de outro País, e eu pensava que seria uma flor a renascer no princípio do abismo, em que parecia se encontrar.

© Piedade Araújo Sol 2016-11-01

22 Comentários:

Blogger Elvira Carvalho disse...

Lindíssimo.
Um abraço e bom feriado

terça-feira, 01 novembro, 2016  
Blogger Henrique Caldeira disse...

Fantástico, Piedade! Que é uma forma de dizer que gostei muito, muito.
Beijinhos
:)

terça-feira, 01 novembro, 2016  
Blogger Marta Vinhais disse...

Mas quem sabe não volta... Quando menos se espera... Ainda com o Sol no olhar, confiante no Mundo...
Lindo...
Beijos e abraços
Marta

terça-feira, 01 novembro, 2016  
Blogger Agostinho disse...

Deliciosa história de encantar
Da flor que queria (a)mar.

Um dia radioso, Sol.

terça-feira, 01 novembro, 2016  
Blogger Cidália Ferreira disse...

Parabéns. Excelente texto!


Beijo
http://coisasdeumavida172.blogspot.pt/

terça-feira, 01 novembro, 2016  
Blogger VENTANA DE FOTO disse...

Excelente imagen muy apropiada para la conmemoración de estos días. Textos e imagen hace un buen complemento.

Besos

terça-feira, 01 novembro, 2016  
Blogger Pedro Luso de Carvalho disse...

Olá Piedade.
Gostei muito de sua crônica, tão próxima do conto, ou então de prosa poética. Um texto muito bem escrito. Parabéns.
Abraço, Pedro.

terça-feira, 01 novembro, 2016  
Blogger Os olhares da Gracinha! disse...

Uma sedutora no seu caminhar!
Bj e gostei

quinta-feira, 03 novembro, 2016  
Blogger Graça Pires disse...

Maravilhoso, Piedade. Este texto é de uma estética fantástica. Que mais acrescentar?
Um beijo.

quinta-feira, 03 novembro, 2016  
Blogger Rita Freitas disse...

Muito bonito, muito bem escrito e com um suave e belo mistério.

Beijinhos

quinta-feira, 03 novembro, 2016  
Blogger Luis Eme disse...

A Rita tem toda a razão, é bonito, suave, misterioso...

abraço Piedade

quinta-feira, 03 novembro, 2016  
Blogger Fábio Murilo disse...

Uma das melhores coisas que já li por aqui. Reflexiva, suave, instigante. Melancólica. Beijos, Sol

sexta-feira, 04 novembro, 2016  
Blogger José Carlos Sant Anna disse...

Talvez eu possa defini-lo como limiar, pois está nos limites, como um pêndulo. E vem à tona e submerge. No fundo é um texto de uma beleza ímpar.
Beijo, poeta admirada!

sexta-feira, 04 novembro, 2016  
Blogger Ana Freire disse...

Desapareceu cumprindo um ritual que tanto significado teria para ela...
E o mar... decidiu acolher em sua casa... quem lhe deixaria tantas ofertas...
Muito belo, Piedade!!!!
Para ler e reler...
Beijinho! Bom fim de semana!
Ana

sexta-feira, 04 novembro, 2016  
Blogger Mar Arável disse...

Um rio assim só pode ser água de beber

Excelente

sábado, 05 novembro, 2016  
Blogger José Carlos Sant Anna disse...

Tua mensagem
Inesperada
Minha quieta alegria.

Desejo-lhe também um domingo repousante!
Beijos, Piedade@

domingo, 06 novembro, 2016  
Blogger Fá menor disse...

Algum dia nos confundiremos com a paisagem...

Beijinhos

domingo, 06 novembro, 2016  
Blogger Elvira Carvalho disse...

Como já comentei este belo texto, desejo uma boa semana
Um abraço

segunda-feira, 07 novembro, 2016  
Blogger brisa48@bol.com.br disse...

OLÁ PIEDADE
Lindissimo o seu texto.Voltando para o meu blog depois de algum tempo afastada. Visitando as pessoas tão queridas. Uma semana de benção para vc.

segunda-feira, 07 novembro, 2016  
Blogger Suzete Brainer disse...

Um texto obra de arte, uma prosa
poética encantadora, ímpar de
beleza e inspiração!...

Adorei, querida Piedade!!
beijinhos.

segunda-feira, 07 novembro, 2016  
Blogger Toninho disse...

E dizem que o doloroso da despedida é justamente esta incerteza da volta.
Mas se ela voltar o Sol se abre e os olhos brilham em cores como um por do sol.
Bjs

domingo, 13 novembro, 2016  
Blogger LuísM Castanheira disse...

abriu-se ao olhar um texto poético ímpar...
era mesmo uma flor e "juro" que a vi em um qualquer cais da alma.

segunda-feira, 28 novembro, 2016  

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